História

Formação das Monarquias Nacionais

Com o Renascimento Comercial e o surgimento da burguesia na Baixa Idade Média, a propriedade deixou de ser a única fonte de riqueza sob a óptica dominante. A nobreza feudal apenas valorizava a posse territorial, contudo a ascensão da burguesia e o sucesso das navegações alertou a nobreza sobre as possibilidades econômicas e políticas do comércio como forma de acúmulo de riqueza – o que desenvolveria a lógica do mercantilismo.

Sob essa nova lógica, os estados precisavam de um governo forte, que garantisse os interesses de cada país na nova ordem que se estabelecia na Europa. Alianças, anexações, acordos e uniões começaram a ocorrer entre feudos em todo o continente, o que culminou no surgimento das Monarquias Nacionais.

Contexto histórico

O fim da Idade Média criou questionamentos e afetou a base de poder não apenas do clero, mas também da nobreza em geral. A Europa feudal, dividida em incontáveis feudos e com monarcas de influência meramente local, não comportava mais as relações típicas medievais. A burguesia enriquecia e ganhava influência política e, com as navegações, toda uma nova classe exigia o tributo pelos seus serviços aos monarcas mais importantes do continente.

A atividade econômica era dificultada em escala. Moedas e padrões monetários completamente distintos em cada feudo, impostos e pedágios para fluxo de mercadorias, ausência de tratados e de legislações amplas. Por interesses próprios, a ascendente burguesia passou a financiar os “reis legítimos” no continente, em prol da centralização de poder nas coroas.

Exércitos mercenários foram constituídos, permitindo a monarcas tradicionais, de famílias de longa data, estabelecer seu regulamento e poder dentro de territórios maiores, aos poucos definindo fronteiras e redesenhando a Europa de um modo mais parecido com o que hoje conhecemos.

A burguesia, aparelhada e hábil no lidar com diferentes regiões, assumiu o poder administrativo e burocrático desses novos estados, agora com caráter unificado e nacional. O respaldo dos governantes com aspirações legítimas às coroas dava à burguesia o suporte que era necessário para ampliar atividades.

A história política da Baixa Idade Média está ligada à evolução das monarquias ibéricas, francesa e inglesa, elas foram os embriões dos modernos Estados Monárquicos Absolutistas.

Da organização dos primeiros estados europeus viriam os grandes impérios da Idade Moderna, como o Sacro Império Romano-Germânico, iniciado em 1519, no reinado de Carlos V.

Principais características das Monarquias Nacionais

A formação das primeiras monarquias nacionais europeias abriu caminho para o absolutismo. Após quase mil anos de reinados “figurativos”, já que o poder era de fato exercido pelas centenas de feudos espalhados em cada país, reis agora voltavam a controlar impérios, como na Antiguidade.

As monarquias nacionais estabeleciam, como uma das primeiras medidas de sua criação, a existência de idiomas comuns, um sistema monetário unificado, impostos e sistemas métricos únicos definidos pelo rei e uma administração pública comum a todo o território. O controle sobre um exército nacional e permanente dava ao monarca a garantia de manutenção de seu poder e, sob o viés diplomático, fronteiras foram definidas em acordos e tratados firmados entre os vários impérios que emergiam.

Formação das Monarquias ibéricas

A Península Ibérica era uma colcha de retalhos formadas por diversos reinos cristãos ao norte: Leão, Castela, Navarra e Aragão, além do Reino de Portugal, às margens do Atlântico. O sul da península era, desde o século VIII, ocupada e dominada por sultanatos muçulmanos, de grupos originários do norte africano, conhecidos por mouros. Os reinos cristãos iniciaram, com o fim da Idade Média, um movimento de Reconquista da porção muçulmana da península que apenas teria fim em 1492, ano do Descobrimento da América, quando espanhóis finalmente subjugaram o Reino Nacérida de Granada.

Durante mais de 400 anos, o Califado dos Almôadas era o grande inimigo a derrotar para os reinos ibéricos. A derrocada dos muçulmanos, após altos e baixos, ocorre a partir de 1212, quando os quatro reinos espanhóis, apoiados por Portugal e ordens militares e templárias aniquilam boa parte dos exércitos do califado, na Batalha das Navas de Tolosa. Desse ponto em diante, os muçulmanos jamais se recuperaram – e ao longo de dois séculos perderam territórios até serem completamente varridos da Europa.

Mapa da Península Ibérica.
Península Ibérica nos séculos XII e XIII.

Monarquia portuguesa

No século XI, Dom Henrique, cavaleiro que auxiliou na incorporação do reino de Leão a Castela, recebeu, como pagamento por seus serviços, terras que formavam a propriedade conhecida como Condado Portucalense. Mais tarde, em 1139, formou-se o Reino de Portugal, quando o filho de Dom Henrique, Afonso Henriques, declarou a independência do reino em relação a Castela.

Portugal aproveitou as boas relações e a aliança com os reinos ibéricos de Espanha para, aos poucos, expandir seu território rumo ao sul, à medida que muçulmanos eram derrotados.

Entretanto, em 1383, a dinastia fundada por Dom Henrique de Borgonha extinguiu-se e o trono português ficou vago. A nobreza, em sua maioria aliada a Dom Fernando, rei de Castela, previa a tomada de poder por ele, o que gerou forte reação por parte da burguesia, de alguns nobres e do povo português. Esse episódio ficou conhecido como Revolução de Avis, cujo líder foi Dom João, conhecido como Mestre de Avis. Em 1385, a vitória sobre os opositores levou-o a subir ao trono português como Dom João I (1385-1433), consolidando-se, assim, a monarquia portuguesa.

A consolidação portuguesa permitiu a criação de um estado sólido e o domínio praticamente exclusivo da faixa europeia da costa atlântica colocou os portugueses em franca vantagem na Era das Grandes Navegações.

Monarquia espanhola

A formação da monarquia espanhola está associada à união de dois dos reinos cristãos do norte da Península Ibérica: Castela e Aragão. Ainda que os quatro reinos da região empreendessem a Guerra da Reconquista, eles também disputavam propriedades e poder, mesmo que unidos contra o inimigo “infiel” que dominava o sul da península.

A união dos reinos de Castela e Aragão, que ocorreu em função do matrimônio de Isabel de Castela e Fernando de Aragão, em 1469, gerou as bases mais sólidas do futuro reino espanhol e criou uma nítida vantagem – militar e política – do reino de Castela e Aragão sobre os demais reinos locais.

Com o fim da Reconquista, em 1492, o estado espanhol já possuía uma franca unidade. O Descobrimento da América e o posterior reinado de Carlos I transformaria a Espanha, antes confinada na região ibérica, num império que estenderia seus domínios até a Alemanha e Itália, além de praticamente todo o continente americano.

Monarquia Francesa

A formação da Monarquia Nacional francesa foi lenta e envolveu muitos reis e diversas dinastias. A dissolução do Império Carolíngio, em 843, no Tratado de Verdun, distribuiu o imenso império entre uma série de herdeiros de Carlos Magno. Como resultado, o poder centralizado desvaneceu e senhores feudais ganharam poder e influência, às vezes superior ao dos descendentes de Carlos Magno.

Invasões estrangeiras e a falta de recursos financeiros – uma vez que tributos e impostos passaram a ser coletados e concentrados nos feudos – tornou a herança de Magno incipiente por séculos a fio. Já no século X, carolíngios foram simplesmente extintos e Hugo Capeto, apoiado pelos senhores feudais franceses, inaugurou uma nova dinastia, chamada dinastia capetíngia ou capetiana.

Contudo, foi somente com o rei Felipe Augusto (1180-1223), já no século XII, que o poder real francês iniciou seu processo de fortalecimento. O reinado de Felipe anexou diversas terras ao governo central da França, com o auxílio de um vasto exército financiado pela burguesia local e nobres com interesses na promoção da casa real.

Depois de Felipe Augusto, destacou-se o rei Luís IX (1226-1270), que, entre outras importantes medidas, unificou o sistema monetário, cunhando uma moeda única, e criou os tribunais, por meio dos quais os condenados poderiam apelar ao rei. Extremamente católico, o rei utilizou dos fortes laços com a Igreja para avançar na unificação do país. Empreendeu cruzadas e chegou, inclusive, a permanecer no Egito após ser capturado, ao longo de quatro anos. Luís IX seria posteriormente canonizado por seus feitos e tido sempre como um dos reis mais importantes da França.

Quadro com embarcações em que uma delas leva o rei.
Luís IX indo para a Sétima Cruzada, em 1248.

Felipe, o Belo (1285-1314), já no século XIV, fortaleceu ainda mais o poder da realeza. Ao contrário de Luís IX, Felipe criou cizânia entre lideranças do clero, impondo impostos aos membros da igreja, o que levaria finalmente ao seu com o papa Bonifácio VIII, de Roma, e na nomeação de um novo papa, cujo papado foi transferido para a cidade de Avignon. Esse conflito, denominado Cisma do Ocidente, perdurou até o início do século seguinte, quando o papado de Avignon foi extinto e voltou a ter sede apenas no Vaticano.

Após seu reinado, um importante fato colaborou para o fortalecimento do poder real: a Guerra dos Cem Anos, conflito com os ingleses que se arrastou de 1337 a 1453. Após o falecimento de Carlos IV, a união dos conflitos pela coroa com o interesse dos ingleses em terras continentais culminaram num dos mais longos períodos de guerra da história.

Luís XI (1461-1483), o sexto rei da dinastia Valois, e dois de seus sucessores, Carlos VIII (1483-1498) e Luís XII (1498-1515), conquistaram os últimos reinos que ainda estavam sob o jugo de senhores feudais, consolidando o Reino da França. Não obstante, constantes revoltas e insurgências locais levariam o país a um estágio de instabilidade por mais de um século, até que Henrique IV (1572-1610), primeiro rei da dinastia Bourbon e rei de Navarra, assumisse o controle da França, trazendo com ele o amadurecimento do absolutismo em solo francês.

Aprenda mais em: Monarquia Nacional Francesa

Monarquia Inglesa

A história da centralização do poder na Inglaterra, curiosamente, tem início na França. Guilherme, o Conquistador, duque da Normandia, ao norte da França, invadiu e dominou terras inglesas, vencendo o rei Haroldo e proclamando-se Rei da Inglaterra no ano de 1066.

Guilherme criou divisões e redistribuições entre os feudos, estabelecendo ao mesmo tempo a emissão e o reconhecimento de títulos locais à nobreza feudal, mas exigindo em troca fidelidade à coroa. Quando Henrique II (1154-1189), seu bisneto, herdou a coroa inglesa, o senhorado feudal, já insurgente desde os tempo de seu bisavô, tornou a retomar o controle e certa autonomia. Henrique organizou exércitos derrotando insurgentes, mas o envolvimento de seu filho, Ricardo Coração de Leão (1189-1199), nas cruzadas e guerras santas, faria com que o poder da coroa seguisse enfraquecido.

João Sem Terra (1199-1216), irmão de Ricardo, foi quem de fato assumiu o problema. Em 1215, foi forçado a acatar limitações do poder real impostos pela Magna Carta, um documento que obrigava o reinado a consultar a nobreza feudal em assuntos que envolvessem a instituição de impostos.

A imagem representa o rei João assinando a Magna Carta, em 1215.

Henrique III (1216-1272), filho do rei João, ignorou os compromissos firmados por seu pai na Magna Carta, e acabou preso por pressão da aristocracia feudal. A nobreza feudal é a origem do Parlamento inglês, criado em 1265, posteriormente dividido em duas câmaras, as quais existem até os dias atuais:

  • a Câmara dos Lordes, formada pela nobreza e pelos membros do clero
  • a Câmara dos Comuns, cujos integrantes pertenciam à burguesia.

A monarquia inglesa ainda passaria por ao menos dois séculos de conflitos, guerras e revoltas antes que pudesse ser consolidada, já na Idade Moderna. A Inglaterra voltaria a conhecer um período de maior estabilidade apenas após a derrota de Ricardo III para Henrique VII, na Guerra das Rosas, em 1485. Após o reinado de Henrique VII, os reinos da Inglaterra e Irlanda e o da Escócia seriam eventualmente unificados, sob o comando de Jaime I – filho da rainha Maria I da Escócia e bisneto de Henrique VII.

Bibliografia:

STRAYER, Joseph R. As origens medievais do Estado moderno. Lisboa: Gradiva.

Por: Carlos Artur Matos

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