Considerado pela crítica um dos mais ousados romances brasileiros, este livro foi publicado por Oswald de Andrade em 1924, após 15 anos de gestação. Construídas a partir de 163 episódios numerados e intitulados, essas memórias são escritas em diversos estilos.
Introdução
Memórias sentimentais de João Miramar apresenta 163 episódios-capítulos numerados e intitulados, escritos em diversos estilos: cartas, poemas, citações, diálogos, convites, anúncios, relatos de viagem, discurso.
O enredo inicia-se com o relato da infância do protagonista João Miramar e se prolonga até a morte de sua esposa.
Aqui optou-se por agrupar os episódios em 12 grandes blocos.
Infância e adolescência
Nos capítulos i a 27, João Miramar, órfão de pai, criado pela mãe, passa a infância em São Paulo. Sua liberdade maior se inicia ao ingressar em um colégio só de meninos, onde conheceu amigos que lhe acompanhariam ao longo da vida: José Chelinini e Gustavo Dalbert, que vai para a Europa.
3. Gare do infinito
Papai estava doente na cama e vinha um carro e um homem e o carro ficava esperando no jardim.
(…)
No desabar do jantar noturno a voz toda preta de mamãe ia me buscar para a reza do Anjo que carregou meu pai.
Viagem até a Europa
Nos capítulos 31 a 56, Miramar viaja por vários países da Europa e conhece várias cidades, mas fixa-se mais em Paris e Londres.
31. Primeiras latitudes
A costa brasileira depois de um pulo de farol sumiu como um peixe. O mar era um oleado azul. O sol afogado queimava arranha-céus de nuvens.
Dois pontos sujaram o horizonte faiscando longínquos bons dias sem fio.
(…)
Um cônsul do Kaiser em Buenos Aires viajava como uma congregação.
E até horas compridas quando os grumetes traziam o mar em baldes para cima da mesa de jogo, as rugas dum inglês tour du monde minuciosamente bebiam.
Volta ao Brasil
A viagem de Miramar é interrompida pela notícia da morte de sua mãe, no capítulo
56. Órfão
O céu jogava tinas de água sobre o noturno que me devolvia a São Paulo.
O comboio brecou lento para as ruas molhadas, furou a gare suntuosa e me jogou nos óculos menineiros de um grupo negro.
Sentaram-me num automóvel de pêsames.
Longo soluço empurrou o corredor conhecido contra o peito magro de tia Gabriela no ritmo de luto que cobria a casa.
Namoro e casamento
Nos capítulos 57 a 63, por conta dos funerais de sua mãe, Miramar reencontra a prima Célia, mais rica do que ele. Ambos se apaixonam e, após um breve namoro, decidem casar. A lua-de-mel é passada na Europa.
62. Comprometimento
O Forde levou-nos para igreja e notário entre matos derrubados e a vasta promessa das primeiras culturas. Jogaram-nos flores como bênçãos e sinos tilintintaram. A lua substituiu o sol na guarita do mundo mas o dia continuou tendo havido entre nós apenas uma separação precavida de bens.
De volta da lua-de-mel a vida de casado começa a entediar Miramar. Célia embora o ame muito, sente–se incomodada por sua falta de profissão notável. Miramar diverte-se com o dinheiro proveniente das fazendas de café da esposa. O casal se envolve com pessoas de prestígio, com pseudo-intelectuais, adquirem um automóvel, enfim, vivem bem e formam uma roda admirável superficialmente. Com o tempo, nascem-lhe uma filha: Celiazinha, o casal decide passar um tempo na fazenda.
75. Natal
Minha sogra ficou avó.
Primeira Guerra e Mlle. Rollah
Nos fragmentos 78 a 111, explode a Primeira Guerra Mundial. Miramar reencontra Mlle. Rollah, que havia conhecido na viagem para a Europa, e que viera ao Brasil por conta da guerra. Tornam-se amantes, e Miramar financia todos os gastos dela.
80. Resultado de profecias
Se não fosse uma Hispano-Suíça tipo sport e dentro o “tal” Sr. José Chelinini, minha sogra tinha corrido o risco de ser desrespeitada pelos dragões do Kaiser. As notícias da guerra mutiladas como soldados em fuga chegavam dando a França como invadida e Paris ameaçada.
95. Promessa pelada
Agora todas as manhãs, eu surgia esperá-la na sala de visitas.
Ela demorava-se mas descia rápida e atirava-se contra minha boca sensual e medrosa.Falávamos alto para disfarçar. Ela corria os dedos pelo teclado fazendo ressoar uma escala vadia pela casa. Uma vez olhou-me muito, deixou o tamborete e, num gesto esbelto, descobriu-se toda levando até os ombros o ligeiro roupão em que se envolvia. E branca e nua dos pequenos seios em relevo às coxas cerradas sobre a floração fulva do sexo, permaneceu numa postura inocente de oferenda.
Negociatas
Nos fragmentos 112a 156, Miramar, incentivado pela amante e com o objetivo de ganhar muito dinheiro e provar para todos que não dependia da fortuna da esposa, lança-se em um projeto mirabolante de produção de filmes que, por conta de desentendimentos entre os sócios, não dá em nada.
142. Lenga-lenga
– Sou consultor de sua tia, fui amigo de seu falecido pai, conheci seus avós. Fiz o casamento de seus tios. Sou mais um conselheiro íntimo que um advogado banal.
Porém, a situação é insustentável. Sua senhora, coitada, reuniu provas esmagadoras contra o seu leviano proceder. O Sr. tem sido avistado em excessos com cômicas. À margem disso o caso financeiro negreja no horizonte. O Sr. adquiriu rapidamente uma reputação de dilapidador. O seu nome já figura no Boletim das Falências e Protestos, no pasquim secreto e implacável, a distilar condenação, a distinguir desonra!
– Ao lado do Conde Chelinini.
– Perfeitamente. Mas o Conde acusa-o de se ter locupletado. Perfeitamente, o Conde acusa-o.146. Verbo crackar
Eu empobreço de repente
Tu enriqueces por minha causa
Ele azula para o sertão
Nós entramos em concordata
Vós protestais por preferência
Eles escafedem a massaSê pirata
Sede trouxasAbrindo o pala
Pessoal saradoOxalá que eu tivesse sabido que esse verbo era irregular.
Fechamento
Nos capítulos 129 a 141, Célia descobre o caso do marido e suas extravagâncias. Pede o divórcio. Miramar, abandonado por todos, inclusive por Mlle. Rollah, passa a viver com a filha Celinha e decide interromper suas “memórias”.