Com o pseudônimo de Glauceste Satúrnio, Cláudio Manuel da Costa (1729-1789) é um dos expoentes do Arcadismo brasileiro. Como outros escritores de sua época, estudou em Portugal. Descendente de família com posses, retornou ao Brasil para administrar os bens que herdara e atuar como advogado.
Biografia
Cláudio Manoel da Costa nasceu a 5 de junho de 1729, na zona rural da cidade de Mariana, Minas Gerais e morreu em Ouro Preto, no mesmo estado, a 4 de junho de 1789.
Fez os estudos preparatórios no Rio de Janeiro, viajando mais tarde para Coimbra, onde frequentou a Universidade e se dedicou, simultaneamente, à poesia, tendo publicado vários folhetos de versos.
Doutorou-se em Direito e regressou ao Brasil para exercer, em Vila Rica, as funções de advogado. Foi amigo de Manuel Inácio da Silva Alvarenga e Tomás Antônio Gonzaga, seus companheiros de Coimbra, com os quais participou, em Vila Rica, da Arcádia.
Teria nascido nessa Arcádia, segundo alguns estudiosos, a ideia de uma conspiração política contra o governador do Estado, da qual tomou parte também o alferes Joaquim José da Silva Xavier, o “Tiradentes”. A conspiração ficou conhecida na história com o nome de Inconfidência Mineira; dela resultou a condenação à morte do alferes Silva Xavier e a punição, com pesadas penas, dos outros elementos que nela estiveram envolvidos.
Cláudio Manuel da Costa também foi apontado como conspirador, tendo sido encarcerado numa prisão de Ouro Preto, onde, segundo a versão oficial da história, teria cometido suicídio.
Obra
Cláudio revela em sua obra, a transição entre o Barroco e o Arcadismo. De sua estadia na Europa, trouxe o gosto pelo cultismo, tendo adotado, depois, o estilo simples neoclássico, como o próprio autor afirma no prefácio de seu livro Obras poéticas, de 1768, obra que abre o movimento árcade brasileiro.
Segundo Antonio Candido, Cláudio foi um grande poeta e uma alta consciência artística. A sua obra é singular na literatura luso-brasileira, pelo que representa de síntese original entre passado e presente.
No prefácio de Obras, manifesta os dois pares de força que dinamizam a sua inspiração: 1) é um poeta formado sob influência dos padrões cultistas, mas que deseja, ao mesmo tempo, acertar o passo com a reforma arcádica; 2) é um intelectual formado na Europa, mas que deseja exprimir a realidade tosca de seu país.
Dois pares de forças que se opõem e o levam a criar uma posição sintética, mais rica que a de qualquer outro contemporâneo. De fato, a força barroca impediu-o de cair na banalidade e no prosaísmo, obstáculos perigosos da Arcádia. Doutro lado, as sugestões do meio e a sua própria intuição estética (pois veio de volta ao Brasil antes da maturação do Arcadismo Português), levaram-no a deixar de lado o que havia de corrompido na ênfase e nos rebuscamentos do estilo barroco.
Cláudio Manoel da Costa tem em Camões um de seus modelos clássicos, razão pela qual cultivou o soneto em grande escala. Sua poesia lírica revela um poeta de gosto apurado, tentando conciliar o grande conhecimento literário que possuía com uma paisagem primitiva. É muito forte e recorrente nas suas poesias a referência às pedras e penhascos, cenário típico da região em que nasceu.
Luiz Roncari afirma que, na maior parte dos sonetos que escreveu, Cláudio faz uso da comparação para exprimir melhor os sofrimentos amorosos do pastor Glauceste, provocados pela recusa de sua pastora, como pudemos perceber no poema apresentado abaixo.
Não vês, Nise, este vento desabrido,
Que arranca os duros troncos? Não vês esta,
Que vem cobrindo o Céu, sombra funesta,
Entre o horror de um relâmpago incendido?Não vês a cada instante o ar partido
Dessas linhas de fogo? Tudo cresta,
Tudo consome, tudo arrasa, e infesta,
O raio a cada instante despedido.Ah! não temas o estrago, que ameaça
A tormenta fatal, que o Céu destina
Vejas mais feia, mais cruel desgraça:Rasga o meu peito, já que és tão ferina;
Verás a tempestade, que em mim passa;
Conhecerás então o que é ruína.
Vocabulário:
Desabrido – violento.
Funesta – sinistra.
Despedido – lançado.
Ferina – cruel.
O estudioso explica ainda que essa comparação é feita entre os sentimentos do eu lírico e a natureza. No soneto XXVI, a natureza aparece de forma ameaçadora, mas, em vários outros poemas, ela reproduz o ideal árcade.
Essa natureza idealizada, própria do Arcadismo, pode ser vista neste soneto.
XIV
Quem deixa o trato pastoril amado
Pela ingrata, civil correspondência,
Ou desconhece o rosto da violência,
Ou do retiro a paz não tem provado.Que bem é ver nos campos trasladado
No gênio do pastor, o da inocência!
E que mal é no trato, e na aparência
Ver sempre o cortesão dissimulado!Ali respira amor sinceridade;
Aqui sempre a traição seu rosto encobre;
Um só trata a mentira, outro a verdade.Ali não há fortuna, que soçobre;
Aqui quanto se observa, é variedade:
Oh ventura do rico! Oh bem do pobre!
No poema, a descrição da natureza da terra natal serve para falar sobre “o relativo dilaceramento interior, causado pelo contraste entre o rústico berço mineiro e a experiência intelectual e social da metrópole, onde fez os estudos superiores e se tornou escritor”, como lembra o estudioso Antonio Candido. Esse é um traço constante na obra do poeta.
Leia a posteridade, ó pátrio Rio,
Em meus versos teu nome celebrado;
Por que vejas uma hora despertado
O sono vil do esquecimento frio:Não vês nas tuas margens o sombrio,
Fresco assento de um álamo copado;
Não vês ninfa cantar, pastar o gado
Na tarde clara do calmoso estio.Turvo banhando as pálidas areias
Nas porções do riquíssimo tesouro
O vasto campo da ambição recreias.Que de seus raios o planeta louro
Enriquecendo o influxo em tuas veias,
Quanto em chamas fecunda, brota em ouro.
Vocabulário
Pátrio rio – Ribeirão do Carmo, em Mariana.
Por que – para que.
Álamo – árvore comum na Europa.
Estio – verão.
Riquíssimo tesouro – o ouro.
Planeta louro – Febo, o Sol.
O pátrio rio, ou seja, o rio da terra natal é circundado por paisagem diferente daquela considerada ideal pelo Arcadismo, aproximando-se mais da realidade do Brasil colonial. Assim, o eu lírico mostra que, no lugar de árvores europeias, como o álamo, de ninfas e do locus amoenus , há o ouro, que enriquece as terras de Minas Gerais.
A poesia lírica desse autor, principalmente os sonetos, é a parte mais consagrada de sua obra. Além dela, ele escreveu alguns textos para o teatro e um poema épico, o Vila Rica (1773).
Bibliografia
COSTA, Cláudio Manuel da. Poemas de Cláudio Manuel da Costa. Introdução, seleção e notas de Péricles Eugênio da Silva Ramos. São Paulo: Cultrix, 1966.
COSTA, Cláudio Manuel da. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de. Antologia dos poetas brasileiros coloniais. São Paulo: Perspectiva, 1979.
COSTA, Cláudio Manuel da. In: CANDIDO, Antonio; CASTELLO, José Aderaldo. Presença da literatura brasileira: das origens ao Romantismo. São Paulo: Difel, 1984.
Por: Wilson Teixeira Moutinho