A vida de John Locke
Em 29 de agosto de 1632, na cidade de Wrington, condado de Bristol, Inglaterra, nascia em uma família de comerciantes burgueses de formação religiosa puritana o pensador inglês John Locke. Seu pai possuía ideias liberais e alistou-se no exército do Parlamento, tendo defendido a causa dos puritanos na guerra civil (1642-1649), que derrubou o absolutismo na Inglaterra. Em 1642, Locke era uma criança de dez anos vivendo num mundo marcado por intensas transformações sociais.
No período compreendido entre 1646 e 1652 ele cursou os estudos secundários em Westminster School, dando continuidade a estes em Christ Church College de Oxford, onde graduou-se bacharel em artes no ano de 1658. Depois disso, interessou-se pelas ciências naturais e pela medicina, chegando a colaborar com o célebre químico Robert Boyle (1658-1665).
Em 1665, Locke viajou para a Alemanha, permanecendo em Berlim durante um ano como secretário de William Swam, embaixador da Inglaterra. Em seguida, viajou para França (1668), como secretário do conde de Northumberland. Na volta à Inglaterra, foi eleito membro da Royal Sociedade de Londres. Em seu país, ele travou amizade com Lorde Asheley, conde de Shaftesbury, que intermediou e o introduziu nas lutas políticas da época a favor do liberalismo e contra a política absolutista dos católicos e Anglicanos Stuart, dinastia reinante, com o rei anglicano Carlos II (1660-1685) e o católico Jaime II (1685-1689). Neste período (1670-1671), Locke começou a trabalhar naquela que será uma de suas principais obras: “Ensaio sobre o Entendimento Humano”, na qual se empenhou durante quase vinte anos.
No ano de 1672, o Conde Shaftesbury foi nomeado grande conselheiro da Inglaterra, promovendo Locke ao cargo de secretário de apresentação dos Benefícios, devendo, então, o mesmo, cuidar de todos os problemas eclesiásticos. Por motivos de saúde e também por causa dos altos e baixos em sua sorte política Locke viajou, em 1675, para França se instalando em Montpellier até o ano de 1679. Neste último ano, quando o conde Shaftesbury foi nomeado Presidente do Conselho Privado na Inglaterra, Locke voltou ao seu país e assumiu o cargo de secretário do mesmo.
No ano de 1682, com a queda de seu protetor, conde Shaftesbury, Locke decidiu acompanhá-lo ao exílio e ambos se refugiaram na Holanda. O governo inglês, entretanto, pediu a extradição de Locke que se viu obrigado a ocultar-se, entrando em contato com os partidários da casa de Orange, de onde sairá, através de conspiração, o futuro rei não absolutista da Inglaterra, Guilherme de Orange.
Tendo colaborado com a Revolução que pôs fim ao reinado absolutista católico de Jaime II, da dinastia Stuart (1688-1689), Locke retornou ao solo inglês acompanhando o novo rei. O autor teve uma participação muito ativa na Revolução Gloriosa. Em fevereiro de 1689, foi nomeado Comissário Real do Comércio e Colônias tornando-se, assim, parte integrante dos quadros diretores do novo governo.
Debilitado pela idade e enfermidades, em 1700, Locke renunciou ao cargo de Comissário Real do Comércio e Colônias, retirando-se para o campo, fixando residência em Essex, Inglaterra. Faleceu em 28 de outubro de 1704, nesta mesma localidade. Simultaneamente, Leibniz finaliza seus “Novos Ensaios sobre o Entendimento Humano”, no qual ataca as concepções empiristas de Locke. Porém, a obra só foi publicada em 1765, após a morte de Leibniz, porque com a morte de Locke, o filósofo alemão não quis publicá-la.
A filosofia de John Locke
John Locke questionou o racionalismo cartesiano, que afirma a existência de ideias inatas. No lugar desse inatismo, o filósofo inglês defendeu que o conhecimento provinha essencialmente da experiência sensória do homem.
Foi Locke quem afirmou ser a mente humana uma tábula rasa, uma lousa (ou folha) em branco. Depois, com a experiência sensória, dados são fornecidos à mente, havendo a produção de ideias simples. Dos estudos dessas ideias, conjugadas às novas e repetidas experiências, o homem pode formar ideias complexas.
E como chegar a essas ideias complexas? Diferentemente dos racionalistas, que afirmam a dedução como meio para se atingir o conhecimento, os empiristas defendiam a indução. Os enunciados universais (leis/princípios) poderiam ser formulados com o método indutivo, que consiste em comparar dados fornecidos pela experiência sensível (ideias simples), de tal modo que se percebam recorrências, repetições.
Tais recorrências poderiam ser utilizadas na formulação de princípios gerais, na elaboração de enunciados universais (ideias complexas). Pelo método indutivo, é sempre possível verificar a afirmação universal por meio da experiência concreta e específica: o conhecimento exige a prova, e tudo aquilo que é provável o é por experiência.
Qual é a diferença fundamental entre indução, defendida pelos empiristas, e dedução, método utilizado pelos racionalistas?
São dois caminhos epistemológicos opostos. A indução parte da experiência para chegar a formulações complexas. A dedução parte da teoria para o conhecimento dos casos. Daí a grande confrontação filosófica do período se encontrar entre racionalistas, cujo maior representante foi René Descartes, e empiristas, principalmente os grandes pensadores ingleses.
John Locke afirmou que razão não é raciocínio silogístico, muito comum na linha racionalista da Europa continental. A razão é constituída de duas partes: a primeira diz respeito a uma indagação sobre as coisas que conhecemos com certeza, e a segunda é uma investigação sobre proposições sensatas na prática, as quais, embora não tenham a condição da certeza, possuem a probabilidade a seu favor.
A razão emerge da experiência humana, da especulação indagativa em experiências concretas. No caso das proposições sentidas na prática e de seu caráter probabilístico, Locke apresenta dois motivos de aceitação de sua razão: a conformidade com a nossa experiência ou o de testemunho da experiência de outros.
Nesse sentido, a razão não é elemento inato, mas formado no processo empírico. Existe primeiramente em estado potencial e é colocada em ação com os estímulos oriundos da experiência sensível. Em outras palavras, a mente tem uma capacidade/disposição de processar as percepções surgidas de nossa sensibilidade, constituindo ideias como representação do mundo sensível.
O conhecimento se produz pela reflexão sobre tais ideias que possuem correspondência com o mundo sensível. Essa é a moradia da razão. No empirismo lockeano, as ideias seriam o alicerce do conhecimento, enquanto a experiência, a única fonte do saber.
Dada a importância da representação das coisas como ideias na mente, pois o conhecimento corresponde às relações constituídas de forma representativa, Locke desenvolveu uma espécie de filosofia da linguagem. Em sua principal obra acerca do conhecimento, Ensaios sobre o entendimento humano (1690), o pensador estabeleceu uma teoria do significado. Nela, as ideias são signos mentais das coisas e as palavras são os signos das ideias.
A capacidade de comunicação de experiências e, por consequência, de ideias está associada ao desenvolvimento da linguagem. É esta que permite a reflexão e a realização do conhecimento na mente humana. Contudo, o pensamento é anterior à linguagem e esta é uma formalização do pensamento, uma exigência dele para sistematizar as experiências do mundo sensível. Essa filosofia da linguagem foi aceita sem grandes objeções até o final do século XIX e início do XX.
Para Locke, a experiência pode ser de dois tipos: externa, da qual derivam ideias simples como extensão, movimento e imagem, e reflexiva, ou seja, associada às nossas sensibilidades em relação ao mundo. Estas também eram ideias simples como prazer, dor etc.
Tanto a experiência externa quanto a interna (reflexiva) dizem respeito a provocações das coisas do mundo na relação com o homem. Nesse sentido, todas as coisas possuem qualidades que têm o poder de despertar ideias nos seres humanos. Algumas qualidades são próprias às coisas, intrínsecas. Extensão e movimento correspondem a qualidades intrínsecas denominadas por Locke como qualidades primárias, as quais geram ideias simples no homem. Outras qualidades, chamadas secundárias, provocam as sensações no homem de forma reflexiva. Estão, entre elas, sabor, cor, textura, sonoridade etc.
Todo o repertório das ideias, dos conhecimentos, é oriundo dessas experiências da absorção das qualidades das coisas, transformadas em ideias simples. A mente humana teria um papel importante, pois, construídas as ideias, o espaço mental possui a capacidade de combinar ideias, criando ideias complexas, ou de separar ideias, definindo ideias gerais.
O conhecimento é resultado, na percepção, da concordância ou discordância de ideias. A concordância produzia a certeza, e a discordância impedia uma afirmação enganosa do mundo. Todo esse conhecimento estaria logicamente ancorado na experiência sensível.
O contratualismo de Locke
Conforme já vimos, inglês John Locke (1632-1704) é um filósofo empirista. Isso representa dizer que, para ele, não existem ideias inatas, ou seja, com as quais já nascemos (como defendia Descartes), mas o conhecimento é, antes de tudo, obtido por meio da experiência sensível, ao longo de nossas vidas (“somos tábulas rasas”).
Para Locke, nenhuma forma de poder político é inata. Como Thomas Hobbes, ele não aceita qualquer expressão de poder divino, contrapondo-se àqueles que acreditam na origem divina dos reis, por exemplo. A filosofia política de Locke é racional, concreta e objetiva, a exemplo de Maquiavel e Hobbes.
John Locke também é contratualista, assim como Hobbes, mas suas ideias a respeito da necessidade do pacto social diferem da hobbesiana. O ponto de partida para entendermos essa diferença está na concepção de Locke a respeito do estado de natureza. Segundo ele, é nesse estado que os seres humanos expressam tudo aquilo que de mais positivo possuem, pois a liberdade é da natureza humana. É sob o estado de natureza que o homem, por meio do trabalho, agrega valor a tudo, inclusive à terra, gerando com isso a propriedade privada.
Referências:
LOCKE, John. Ensaio sobre o entendimento humano. In: Coleção Os pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1999.
RUSSELL, Bertrand. História do pensamento ocidental. A aventura das ideias: dos pré-socráticos a Wittgenstein. Rio de Janeiro, Ediouro, 2001.
LOCKE, John. São Paulo: Nova Cultural, 1999. In: Coleção Os pensadores.
Por: Ruth Aparecida Pepa Penasso
Veja também:
O Empirismo de John Locke
Teorias sobre a formação do estado
Iluminismo