Em paralelo às grandes correntes migratórias para o Brasil, por polarização econômica, ocorreram também migrações internas estimuladas pelos mesmos motivos, das regiões com disponibilidade de mão-de-obra para aquelas com aquecimento econômico. Os movimentos migratórios foram também responsáveis pela ocupação de grandes extensões do território brasileiro.
O primeiro fluxo significativo ocorreu no século XVI, quando criadores de gado do litoral nordestino se dirigiram para o Sertão, localizado no interior da região e de clima semiárido. Daí surgiram várias zonas criatórias ao longo do rio São Francisco, eixo delineador do povoamento na época, e que ficou, por isso, conhecido como o “rio dos currais“. Posteriormente tornou-se importante via de interligação entre o Nordeste e o Sudeste, recebendo a denominação de “rio da unidade nacional“.
A atividade criatória tinha a estratégia de abastecer de alimento a Zona da Mata, área onde estava fixada a produção de cana-de-açúcar, produto responsável pela introdução da monocultura no Brasil. O uso do sal como conservante, colocado na carne em mantas, deu origem a um importante alimento regional, a carne-seca ou jabá, geralmente de qualidade inferior. A carne de melhor qualidade, levemente salgada e exposta ao sol para desidratar, é chamada de carne-de-sol.
Nos séculos XVII e XVIII, nordestinos e paulistas foram atraídos para as regiões mineradoras, localizadas nos atuais Estados de Minas Gerais, Bahia, Goiás e Mato Grosso. As “Gerais” não apenas atraíram população portuguesa, como também estimularam o processo migratório de populações já fixadas em outras partes do Brasil.
Em função da necessidade de produção de alimentos e de animais de carga para a região aurífera, o centro-sul do Brasil passou a ter significativa importância. Muitas atividades econômicas paralelas impulsionaram . o povoamento e o desenvolvimento de territórios adjacentes, influenciados pela riqueza tão desejada desde o início da colonização. Não é errado afirmar que muita gente que entrou na “corrida do ouro” teve menos sucesso que os que produziram alimentos e outros gêneros de primeira necessidade para o centro minerador.
Com a queda da produção do ouro, no século XIX, houve uma mudança do interesse imigratório para os Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, regiões onde crescia a cultura cafeeira, que começava a polarizar os interesses econômicos dos grandes proprietários de terras.
A partir daí, têm início no Brasil os chamados grandes eixos migratórios.
Cinza: Migração nordestina em direção ao Sudeste – expansão industrial e construção civil.
Azul: Migração do Centro-Sul em direção ao Centro-Oeste e Amazônia – agropecuária.
Verde: Migração da população do Centro-Oeste em direção à Amazônia – agropecuária e mineração.
Laranja: Migração nordestina em direção à Amazônia – ciclo da borracha, pecuária e garimpo.
Roxo: Migração nordestina em direção ao Centro-Oeste – construção de Brasília.
Migração Nordeste-Amazônia
Grandes contingentes demográficos, em ondas sucessivas, deixaram o Nordeste em direção à Amazônia:
- no final do século XIX e início do século XX, migraram especialmente os do Ceará – para trabalhar na extração da borracha;
- durante a Segunda Guerra Mundial e, mais recentemente, depois da abertura da rodovia Transamazônica, que facilitou o deslocamento das populações nordestinas para o Maranhão, sul do Pará e Tocantins. Essa populações foram atraídas pelas frentes pioneiras agrícolas e pelo garimpo.
Além do estímulo econômico, motivado pelos preços da borracha no mercado externo, os nordestinos se deslocaram para a Amazônia pressionados por crises em sua ” região, agravadas por secas históricas muito longas e pelo sistema latifundiário local.
O interesse dos governos brasileiros sempre foi o de criar polos de fixação populacional na Amazônia, com a política de “povoar para defender”, nem sempre acompanhada de infraestrutura necessária às novas populações.
Geralmente, tais tentativas foram fadadas ao fracasso, . como a recente construção da rodovia Transamazônica, onde os colonos foram praticamente abandonados nas agrovilas, sem qualquer assistência.
Migração Nordeste-Centro-Sul
Na primeira metade do século XX, pelo rio São Francisco e pela rodovia Rio-Bahia começaram a passar aqueles que seriam os maiores contingentes populacionais para o sul, atingindo às vezes mais de 200 mil migrantes anuais, que ficaram conhecidos como “paus-de-arara”, em virtude da precariedade dos caminhões onde eram transportados.
Primeiro dirigiam-se ao Oeste Paulista, para trabalhar nas culturas de café e algodão. Após a Segunda Guerra Mundial, o desenvolvimento industrial atraiu levas de migrantes para as grandes cidades da região. Isso fez aumentar o movimento de migrantes do Nordeste para o Sudeste, especialmente para São Paulo.
Estabeleceu-se um fluxo constante de migrantes vindos do Nordeste – principalmente da Bahia – e do norte de Minas Gerais para São Paulo. E um fenômeno da migração interna caracterizado por correntes migratórias que se originam em regiões subdesenvolvidas, marcadas pela pobreza e agravadas pela semiaridez – pessoas que vêm em busca de trabalho, comida, água, saúde, escola, isto é, melhores condições de vida.
A forte presença nordestina em São Paulo é o reflexo humano e social das grandes desigualdades regionais brasileiras. Mas é um fato social relativamente recente -só começou a ganhar importância a partir dos anos 50.
Em cinejornais típicos dessa época, a cidade de São Paulo era apresentada como a “locomotiva do país” – terra do trabalho e do progresso. Muitos brasileiros, principalmente das regiões historicamente empobrecidas, migraram embalados por esse lema. E certo que o trabalho não faltava, mas a cidade não tinha infraestrutura para receber esses elevados contingentes de mão-de-obra.
Nos anos 60 os nordestinos continuaram chegando a São Paulo. Nos anos 70, tornaram-se a principal mão-de-obra na construção civil. Eles foram os grandes responsáveis pela construção do metrô.
A partir dos anos 80, diminuiu bastante a migração nordestina. O mito de São Paulo (“a cidade que mais cresce no mundo”) não se sustentava mais. Além disso, o desaquecimento da economia brasileira afetou o importante setor da construção civil, que sempre solicitou pesados investimentos e para o qual sempre houve forte absorção dessa mão-de-obra.
A fisionomia do espaço geográfico da capital paulista alterou-se com a forte migração das últimas décadas, expandindo-se para as periferias em rápido e desordenado crescimento. São Paulo parece ter se tornado uma das cidades onde a pobreza mais cresce no mundo.
Ao lado das novas e imensas periferias, a migração interna também alterou o perfil populacional de muitos bairros tradicionais. E o caso típico do Brás. Ao longo dos anos 60, a população de ascendência italiana, mais bem situada socialmente mudou-se para regiões mais valorizadas. O Brás ainda guarda, principalmente na arquitetura, vestígios de seu passado de bairro operário de imigrantes. Mas os novos moradores, na maioria migrantes nordestinos e estrangeiros clandestinos, alojam-se como podem, em habitações transformadas em cortiços.
Dispersos anonimamente pelas periferias da cidade os nordestinos criaram seus próprios centros de reunião e convívio. Nunca houve um bairro tipicamente nordestino em São Paulo, mas a sua presença cultural está por toda a parte. A Praça da Sé, por exemplo, se transforma todos os dias numa espécie de “consulado informal do Nordeste em São Paulo”. E uma maneira de os indivíduos se situarem simbolicamente no espaço urbano e de manter viva sua própria identidade cultural.
Migração Rio Grande do Sul-Centro-Oeste/Amazônia/Nordeste
A chegada de novos contingentes, o crescimento demográfico e o excessivo parcelamento da propriedade por herança nas antigas áreas de colonato levaram muitos imigrantes e seus descendentes a buscar outras terras mais a oeste.
Entre 1940 e 1960, essas populações em crescimento (mais de 10 mil famílias por ano) ultrapassaram os limites estaduais na busca de terras para o plantio, ocupando o oeste catarinense e paranaense. Em consequência desse longo e contínuo processo de expansão, nos anos 60 praticamente não existiam mais terras disponíveis para ocupação no Brasil meridional.
A partir dos anos 70, a Região Sul registrou uma queda no ritmo de crescimento populacional, resultante de dois fatores demográficos: a diminuição de ritmo do crescimento vegetativo e a mudança de rumo das migrações internas. Muitos habitantes da região saíram em busca de melhores oportunidades, migrando para o Paraguai (são os “brasiguaios”), para o Mato Grosso do Sul e, mais recentemente, para Rondônia, Bahia e até Maranhão. A saga das famílias que chegam e acampam em barracas de lona na beira da floresta é uma história de cansaço e sofrimento da viagem mas também de garra, de luta e de confiança no trabalho honesto e decente – muito comum na zona rural.
Marcha para o Oeste
Brasília atraiu populações e favoreceu a ocupação no Centro-Oeste. Na construção dessa cidade planejada estavam os nordestinos deixando a sua marca. Eram os “candangos”, “plantando” a nova capital do país.
Depois, com a modernização da agricultura na Região Sul, a partir dos anos 70, parte da população expulsa do campo foi para o Centro-Oeste e para o Norte, fazendo avançar a fronteira agrícola.
O crescimento das oportunidades de trabalho e de negócios fazem do Centro-Oeste a nova frente de expansão econômica do país, resultado dos empreendimentos bem-sucedidos no setor agropecuário, como o plantio de grãos e a criação de gado.
Segundo o último levantamento, de 1999, mais de 54% das pessoas que residiam no Centro-Oeste não eram nascidas nos municípios em que estavam vivendo na ocasião, e mais de 1/3 não era original de nenhum dos estados da região.
Por: Renan Bardine
Veja também:
- Movimentos Migratórios
- Correntes Migratórias para o Brasil
- Migrações Internacionais
- Vida dos Imigrantes no Brasil
- Êxodo Rural