História do Brasil

Guerra de Canudos

Nas primeiras décadas da República no Brasil, diversos conflitos eclodiram no meio rural, a Guerra de Canudos foi um dos principais.

Contexto e motivos

A Guerra de Canudos expressou basicamente a falta de terras, a miséria e o abandono das populações rurais do interior do país, tendo forte caráter messiânico.

Essa situação foi o resultado do processo colonizatório sustentado no latifúndio e na oligarquia. Ela piorou com o advento da República (República Velha), que não trouxe qualquer melhoria para as condições de vida dessas populações, como também permitiu o aumento dos poderes dos latifundiários. Acrescentem-se as constantes secas que assolavam a região nordestina, aumentando ainda mais os problemas econômicos e sociais naquela área.

Nesse contexto, surgiu Antônio Conselheiro, rezando e conclamando fiéis para consertar igrejas e cemitérios pelo Nordeste. Ele atraiu a atenção e o respeito de multidões de fiéis. Em 1893, Antônio Conselheiro – que não era clérigo – estabeleceu-se num vilarejo abandonado. Em pouco mais de dois anos, o antigo vilarejo, localizado no interior da Bahia, transformou-se num aglomerado de mais de 20 mil pessoas, trabalhando e cultivando as terras em forma de comunidade.

A maior parte dessas pessoas era de trabalhadores rurais, explorados por grandes latifundiários que, aos poucos, foram ficando sem mão de obra. Ao mesmo tempo, a Igreja passou a se sentir ameaçada com as pregações de Antônio Conselheiro. Chefes políticos nordestinos passaram a conclamar medidas governamentais que dispersassem o agrupamento.

Antônio Conselheiro em Canudos.
Antônio Conselheiro e seus seguidores.

Os motivos alegados eram o roubo de gado por parte dos habitantes do arraial, assim como a acusação de que se tratava de um núcleo de monarquistas. A imprensa em geral e alguns intelectuais da época, demonstrando acentuado elitismo e forte preconceito, condenavam Canudos pelo “fanatismo” e pelo perigo que poderia trazer à jovem República.

As fases da Guerra de Canudos

Em 1896, o governo do Estado da Bahia enviou a Canudos uma expedição militar composta de 100 soldados, comandados pelo tenente Manuel Pires Ferreira. Os sertanejos de Canudos, comandados por Quelé do Pajeú e João Abade, derrotaram a expedição governamental.

A derrota repercutiu em Salvador e no Rio de Janeiro. Organizou-se, então, uma expedição composta por soldados do Exército, da polícia estadual da Bahia e por jagunços dos grandes fazendeiros, armada com duas metralhadoras e dois canhões Krupp. Utilizando a guerrilha como forma de combate, os sertanejos conseguiram derrotar também essa expedição.

A segunda derrota acirrou a histeria contra Canudos: florianistas (Floriano Peixoto) atacaram o governo de Prudente de Morais e empastelaram jornais monarquistas.

Uma nova expedição foi formada sob o comando do coronel Moreira César, conhecido como “o corta-cabeças”, apelido que ganhara durante a Revolução Federalista pelas atrocidades cometidas na repressão aos revoltosos. Era também um florianista fanático. Ao chegar a Salvador, disse aos repórteres que o entrevistavam: “Podem escrever: vou trazer a cabeça de Antonio Conselheiro amarrada à sela de meu cavalo!” No primeiro ataque aos revoltosos, Moreira César foi mortalmente ferido e caiu em poder dos sertanejos, que o arrastaram por um bom pedaço de chão e depois botaram fogo no seu cadáver.

O coronel Tamarindo, vendo o estrago que os sertanejos estavam fazendo em suas tropas – ele assumiu o comando após a morte do coronel Moreira César –, deu a ordem para a dispersão das mesmas.

Oitocentos homens – escreveu Euclides da Cunha – desapareciam em fuga abandonando as espingardas, arriando as padiolas, em que se estendiam os feridos; jogando fora as peças de equipamentos, desarmando-se; desapertando os cinturões para a carreira desafogada; e correndo, correndo ao acaso, correndo em grupos, em bandos erradios.

E nos seus calcanhares, os sertanejos berrando e gargalhando. O coronel Tamarindo não conseguiu fugir: foi abatido com um tiro e colocado enroscado num arbusto seco, parecendo-se a um espantalho fardado. E ali secou, como o arbusto.

Quando a notícia do desastre chegou ao Rio de Janeiro, o pânico tomou conta do governo. Prudente de Morais, que estava licenciado por motivo de saúde – o vice-presidente, Manuel Vitorino, estava em seu lugar –, retornou ao poder e passou, juntamente como o ministro da Guerra, marechal Bittencourt, a comandar a guerra de Canudos.

Uma nova expedição – a quarta – foi organizada, agora com dez mil soldados, vários canhões, armamento novo, recém-adquirido na Alemanha, comandada por três generais, ficando o comando-geral a cargo do general Artur Oscar.

Consequências

Depois de três meses de cerco, Canudos começou a apresentar os primeiros sinais de enfraquecimento. Mesmo assim, sem água e comida, os sertanejos resistiam. Não foi por muito tempo. Em 5 de outubro de 1897, a cidade capitulou, tendo apenas – conforme descreveu Euclides da Cunha – quatro combatentes: um velho, um rapaz de 16 anos e dois adultos.

A população de Canudos ou morreu na batalha ou foi degolada pelo Exército. O corpo de Antônio Conselheiro, que morrera em setembro, foi desenterrado e decapitado.

Enquanto o governo comemorava a vitória no Rio de Janeiro, em Salvador, os alunos da Faculdade de Medicina se recusavam a participar dessas comemorações. Exigiam explicações sobre a ausência de prisioneiros, pois não apareceu nenhum sobrevivente para contar a história (embora várias pessoas tenham fugido do arraial nos seus últimos dias de existência).

Rui Barbosa criticou severamente a maneira como foi conduzida a guerra contra Canudos. Mais tarde, o jornalista Euclides da Cunha, que havia feito reportagens sobre episódios para o jornal O Estado de S. Paulo, denunciou a chacina com mais pormenores em seu livro Os sertões.

Referência:

VILLA, Marco Antonio. Canudos, o povo da terra. São Paulo: Editora Ática, 1999.

Por: Wilson Teixeira Moutinho

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