História

Formação dos Estados Nacionais Latino-Americanos

O processo de formação dos países latino-americanos foi marcado pela instabilidade política. A substituição das antigas colônias espanholas por nações independentes apresentou dois problemas básicos: constituir Estados soberanos e organizá-los em meio às mais variadas tendências políticas.

Além disso, o antigo império espanhol, agora fragmentado em repúblicas independentes, continuou a conhecer uma realidade socioeconômica e cultural dividida. Na maior parte da América Latina, onde predominava uma estrutura latifundiária e as mais variadas formas de semi-servidão, a independência pouco ou nada veio alterar.

Nesse contexto, marcado por tantas diferenças, surgem os antagonismos regionais entre as lideranças do processo de emancipação, ao sabor dos mais variados interesses.

Quanto à forma de organização dos Estados nacionais, o republicanismo foi o princípio político geral que norteou a formação dos Estados nacionais latino-americanos. Entretanto, a monarquia tinha seus defensores entre muitos membros da elite criolla. Essa tendência, além do Brasil, só seria viabilizada no México com Augustin Itúrbide, e, assim mesmo, por um curto espaço de tempo. Com a opção pela república, impõem-se também os interesses e as ambições relativas ao mando local, transformando as disputas políticas em violentas e sangrentas lutas.

As propostas de unidade

Em meio às dificuldades de instalação dos Estados Nacionais, uma proposta foi marcante, no sentido de unir toda a América Espanhola numa só nação. Isso em razão da ameaça de recolonização defendida pela Espanha, apoiada na Santa Aliança europeia.

Com isso, ganha espaço o bolivarismo, uma das bases do pan-americanismo, defendido por Simón Bolívar, o Libertador. Em termos concretos, entretanto, os ideais de Bolívar se efetivaram em poucas experiências. Entre 1819 e 1830, a Venezuela, o Equador, a Colômbia, compreendendo o Panamá, formaram a Confederação da Grã-Colômbia, como já se percebe de curta duração. A partir de 1821, o Peru e a Bolívia iniciaram a formação da Confederação do Grande Peru, o que foi duramente combatido pela Argentina e pelo Chile, temerosos da presença de um Estado poderoso. Na América Central, Guatemala, Honduras, El Salvador, Nicarágua e Costa Rica separaram-se do México,em 1823, e formaram as Províncias Unidas da América Central, pulverizada em 1839.

Bolívar, que sonhava com a criação da Confederação dos Andes, morreu em 1830, não sem antes tentar a sua concretização, no Congresso do Panamá, em 1826.

Os interesses norte-americanos e ingleses

Os Estados Unidos acompanharam o processo de independência das colônias espanholas na América sem um envolvimento mais direto. Contudo, diante das ideias de unidade latino-americana, os norte-americanos passaram a desenvolver uma ação política mais atuante. em relação às novas nações recém-libertadas.

Dentro dessa nova ação política, os Estados Unidos, em 1823, foram a primeira nação a reconhecer a independência das novas nações, baseando-se na Doutrina Monroe, que defendia o princípio da América para os americanos.

A referida doutrina, estabelecida pelo presidente James Monroe, estava ligada às preocupações dos Estados Unidos com sua própria segurança, pois, naquele momento, os norte-americanos se chocavam com os ingleses pelo domínio do Oregon e se viam ameaçados pelos russos, cujas pretensões territoriais iam desde o Alasca até a Califórnia. Sem contar que os Estados Unidos também temiam uma eventual intervenção da Santa Aliança na América, recuperando para suas metrópoles as antigas colônias.

Mais do que isso, entretanto, essa doutrina expressava a visão norte-americana do pan-americanismo e se fundamentava no predomínio dos Estados Unidos sobre os demais Estados da América Latina. Denominada monroísmo, essa política se opunha frontalmente ao projeto unificador de Simón Bolívar.

A Inglaterra, por sua vez, manobrava no sentido da criação de uma constelação de novos países fracos, que garantiria a sua influência direta na América Latina e, ao mesmo tempo, evitaria a formação de um sistema americano liderado pelos Estados Unidos.

O caudilhismo

O surgimento do caudilhismo se dá no quadro do processo de independência das antigas colônias espanholas, marcado pelas disputas pelo poder, que acabaram por gerar a instabilidade política.

Os caudilhos eram chefes políticos locais ou regionais, lideres de verdadeiros exércitos particulares — na época os Estados ainda não haviam organizados exércitos próprios —, na sua maioria, grandes proprietários rurais, cuja autoridade pessoal era forte junto às camadas populares. Auto-intitulando-se militares de alta patente, como generais, os caudilhos tinham um único objetivo: o poder maior sobre nação.

Federalismo x centralismo

Definida a forma de governo — república ou monarquia —, os problemas dentro de cada nova nação se concentraram na forma de organização do Estado, o que levou às lutas entre federalistas e centralistas. Nessas lutas, as tendências das lideranças políticas — liberais e conservadores —, típicas da época, passaram a ter pouca importância, visto que o liberalismo era apenas de fachada, na defesa dos interesses comuns, e o conservadorismo era o campo ideológico comum para qualquer uma das acções envolvidas nas disputas.

O federalismo, princípio da autonomia em relação a um poder central, é uma das expressões políticas do liberalismo. Contudo, os grandes proprietários rurais, avessos ao liberalismo, surgiam como um dos seus mais ferrenhos defensores, visto que a descentralização, típica do federalismo, garantiria o seu predomínio local ou regional. Por sua vez, o centralismo, uma das marcas do conservadorismo, era propugnado pelos comerciantes dos grandes centros urbanos, como Buenos Aires, uma vez que., através dele, se alcançaria a unidade nacional, limitando. consequentemente, os localismos que compartimentavam economicamente o país.

Liberais ou conservadores, federalistas ou centralistas, uma vez no poder, essas lideranças caudilhescas governavam de forma ditatorial, seguindo uma política nitidamente conservadora, mantendo longe das decisões as camadas populares.

Os exemplos de caudilhos

O Chile e o Paraguai foram os únicos países da América Espanhola que não conheceram a instabilidade política gerada pelo caudilhismo. No Chile, o Estado unitário e fortemente centralizado constituiu-se precocemente, denominado Estado Portalino, pela ação de José Portales. O Paraguai, por sua vez, teve a sua independência conduzida por José Gaspar Francia, el Supremo, que instalou no poder um grupo oligárquico que governou o país por décadas.

Na Argentina, Juan Manuel de Rosas tomou o poder em 1838 e, embora se declarasse federalista, governou de forma centralizadora, até sua queda em 1852. Durante sua gestão, tomou medidas protecionistas à economia argentina, opondo-se à prática do livre-cambismo da Inglaterra e defendendo a reconstrução do vice-reino do Prata, entrando em choque com o Brasil.

No México, em seguida à queda do conservador Sant’Anna(1855), em cujo governo os norte-americanos se apossaram de um extenso território mexicano. ascenderam os liberais sob a liderança de Benito Juarez. Em seu governo, foram tomadas medidas contra a Igreja. o que resultou em uma guerra civil contra as forças reacionárias, denominada Guerra da Reforma.

Nesse contexto, os conservadores aliados da Igreja Católica apelaram para a intervenção francesa. Assim. entre 1863 e 1867, o México tornou-se uma monarquia governada por Fernando Maximiliano, da Áustria. Em 1876, Porfírio Diaz deu um golpe de Estado e estabeleceu uma ditadura de caráter positivista, governando o México até 1911, quando eclodiu a Revolução Mexicana. O longo período do governo de Porfírio Diaz denominou- se Porfiriato.

A hegemonia inglesa

A Inglaterra teve, desde o início, um papel de destaque no processo de independência da América Espanhola. Quando as Juntas Governativas romperam com a Espanha ocupada por Napoleão, uma das primeiras providências tomadas nas mais diferentes regiões da América Latina foi a liberação do comércio aos ingleses, garantindo as vantagens conseguidas anteriormente.

Durante a guerra contra a Espanha, a partir de 1814-15, quando Fernando VII tentou recuperar as antigas colônias, os ingleses se envolveram diretamente no conflito, apoiando a elite criolla. Empréstimos foram feitos, armas foram vendidas aos colonos, e mercenários militares ingleses, como Lord Cochrane, comandaram a vitória sobre os espanhóis. A garantia da independência assegurava também os privilégios ingleses nos mercados da extensa área do antigo império colonial espanhol, onde predominou a prática do livre-cambismo defendido pela Inglaterra.

A ação da diplomacia inglesa

Inicialmente, a Inglaterra se empenhou na obtenção do reconhecimento das novas nações americanas junto aos países europeu. Entretanto, nunca perdeu de vista as lutas que envolviam a organização dos Estados latino- americanos. Para os ingleses, era necessário que os novos países se tornassem seus aliados, enquanto potência economicamente hegemônica. Portanto, não havia interesse no surgimento de uma economia suficientemente forte, capaz de quebrar sua tutela e seu controle.

A ação concreta da diplomacia britânica nesse sentido é perceptível na criação do Uruguai — antiga Província Cispiatina — como um Estado-tampão, entre o Brasil e a Argentina (1828), evitando o controle de qualquer um desses países sobre a bacia do Prata. Da mesma forma, na dissolução das Províncias Unidas da América Central, formadas pelas pequenas repúblicas mesoamericanas, em 1839.

Na Conferência do Panamá, em 1826, quando o pan- americanismo procurava dar um grande passo em direção à unidade latino-americana, o ministro Canning trabalhou contra as pretensões norte-americanas de se criar um bloco latino-americano sob sua liderança; ao mesmo tempo, contudo, solapou o projeto de organização de uma América forte e coesa.

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