História

Caudilhismo na América Espanhola

No processo de independência da América espanhola, conduzido pela elite criolla, ocorreram verdadeiras campanhas militares, anos seguidos de lutas para conquistar a autonomia política. Esse processo de guerras de independência impactou não apenas a ruralização, mas também a militarização da sociedade hispano-americana e foi fator decisivo para a emergência do caudilhismo e o fomento de clientelas políticas.

Isso não significa dizer que o caudilhismo não existisse na sociedade colonial, afinal era uma espécie de caciquismo colonial em que laços pessoais eram estabelecidos entre grandes senhores de terras, potentados rurais e parcelas de populações empobrecidas.

Estas viam na adesão aos grandes senhores a possibilidade de uma condição de vida melhor, pois eram apadrinhadas, tornando-se leais aos membros da elite criolla colonial.

No entanto, o processo de independência reforçou os laços numa conjuntura em que o aparelho administrativo metropolitano perdia capacidade de ação.

Caudilhismo
Monumento aos libertadores Simón Bolívar e San Martin, em Guaiaquil (Equador).

As lideranças criollas tornaram-se zelosas de seu poder político nos espaços conquistados às autoridades espanholas, havendo disputas internas em que a violência armada era a língua predominante entre os contendores. O resultado foi a emergência dos caudilhos na América espanhola.

Se a militarização que conferiu poder aos caudilhos era um elemento fundamental para a ruptura com o pacto colonial e com a emancipação política, esse mesmo militarismo acabou se tornando um obstáculo para a busca de um sistema político republicano democrático.

Na verdade, os caudilhos se transformaram nos arquétipos da política latino-americana nos séculos XIX e XX, pois, com as debilidades institucionais das repúblicas instaladas, exerciam papel de árbitro dos conflitos e das forças militar e policialesca e fundamentavam uma coesão social mantida, muitas vezes, pela força e pelo uso da violência.

O caudilhismo também foi elemento desestabilizador na medida em que o aparelho de Estado era disputado pelos potentados rurais, o que produzia disputas armadas constantes. É o caso, por exemplo, da rivalidade entre caudilhos na Argentina. Os senhores de terra das províncias de Corrientes e Entre-Rios viviam em disputa com lideranças caudilhescas de Buenos Aires.

Caudilhismo acima de ideologias políticas

No caudilhismo, as opções políticas ou ideológicas são secundárias, pois o princípio não corresponde a um ideário específico, mas a uma lógica de poder territorial. Portanto, não há diferenças profundas entre federalistas e unitaristas, liberais e conservadores, sendo possível que um liberal se torne conservador e um unitarista se transforme em um federalista simplesmente por circunstâncias do momento e de alianças interesseiras.

Vários estudos revelam a existência de uma hierarquização de caudilhos, em que chefes locais estabeleciam relações de dependência e vinculações políticas a chefes regionais. Tais práticas impediram a organização de sistemas políticos representativos da população, pois esta era agenciada e dominada pelo caudilhos numa lógica de favores. Isso impedia o desenvolvimento de uma consciência de direito e de cidadania nos vários países criados na América espanhola.

Quadro Juramento dos trinta e três orientais, de Juan Manuel Blanes, em alusão ao movimento encabeçado por Juan Antonio Lavalleja e apoiado pelas Províncias Unidas do Rio da Prata (Argentina) para libertar o território da Província Cisplatina (Uruguai) do domínio do Império do Brasil. Embora a bandeira tricolor da Revolução Francesa fosse desfraldada pelas elites coloniais, os princípios iluministas não se realizaram na América espanhola, visto que os direitos do homem e do cidadão não foram observados pelos caudilhos.

Dessa forma, é possível afirmar que a lógica caudilhesca corresponde à não transformação da sociedade, ao impedimento à ascensão social de grupos dependentes. Os redutos de poder político só se mantêm por meio da exclusão de direitos, os quais se tornam, então, na linguagem dos caudilhos, benefícios aos apadrinhados, à clientela, ou seja, esses benefícios são pensados na forma de favores calcados em relações pessoais. Assim, a impessoalidade inerente às formas racionalizantes de organização política não se faz presente, comprometendo decisivamente a afirmação da cidadania nos países latino-americanos.

Pode-se considerar que a fragmentação político-territorial da América espanhola decorreu dessas forças das lideranças locais, que, para exercerem seu poder da melhor maneira, buscavam não a integração com outros espaços, mas a atomização regional e local.

A criação de um Estado muito extenso ameaçava diluir o poder dos chefetes locais em uma estrutura estatal muito ampla na qual teriam dificuldades para exercer o poder político sem inúmeros arcos de aliança.

A atomização de interesses econômicos repercutia na desorganização política em particular, daí os localismos pronunciados e, neles, a expressão do poder do caudilhismo.

Por: Wilson Teixeira Moutinho

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