Literatura

Impressionismo na Literatura

A origem do termo prende-se a um quadro do pintor Claude Monet – Impressions – (1874) – e a teorização da atitude artística impressionista deve muito à pintura  (Monet, Degas, Cézanne, Pissaro, Sisley, Renoir) e à música (Debussy e Ravel), o Impressionismo custou a ser demarcado na literatura, e só a crítica mais recente tem-se ocupado com as suas repercussões no Brasil.

Aos impressionistas não interessa a fixação “fotográfica” das formas e das imagens. Valorizando a cor e os efeitos tonais, pretendem reproduzir a “percepção visual do instante”, as “impressões” provocadas pelo objeto no sujeito.

O Impressionismo não chegou a configurar, na literatura, uma escola, corrente ou movimento artístico, mas é uma atitude na expressão, perfeitamente identificável em autores como Machado de Assis, Raul Pompeia, Euclides da Cunha, Graça Aranha, Coelho Neto, entre os brasileiros, e Eça de Queirós Cesário Verde entre os portugueses.

Impressionismo e literatura

A denominação “Impressionismo”, já corrente na pintura e na música, passou a ser aplicada à literatura a partir dos irmãos Edmond e lules de Goncourt, para designar a “escrita artística“; uma linguagem vibrátil, com os diálogos e descrições convertidos em “estenografias ardentes”, procurando grafar a aparência vivida da realidade humana, com exatidão e esmero científico, mas voltados para a pintura refinada das impressões subjetivas, dos estados d’alma das personagens.

Do mesmo modo que o quadro impressionista se propõe a captar as mudanças mais sutis da atmosfera e da luz, a linguagem impressionista buscava figurar a variedade dos estados mentais com a maior precisão possível.

Pintura impressionista de Vincent Van Gogh - Café-Terraço à NoiteSurge assim um idioma literário colorido e nervoso, de sintaxe fragmentária e ritmos evocatórios, fazendo largo uso do imperfeito e da metáfora, adotado por narradores e dramaturgos como Anton Tchecov, Hugo von Hofmannsthal e Eça de Queirós.

Os temas básicos passam a centrar-se nas conotações morais da inércia do ser humano frente ao fluxo hetero­gêneo da experiência; no cansaço da vida e na falta de comunicação; no sentimento de frustração e de exílio da existência natural; na morbidez cerebral e narcisística; na atração erótica pela decomposição e pela morte. Thomas Mann (Tonio Kroeger – 1913 e A Morte em Veneza -1913); Tchecov (77o Vânia – 1899); Hofmannsthal (O Louco e a Morte – 1894, Salomé – 1915) representam essa superação dos materialismos deterministas.

O romance psicológico de tipo moderno, ou seja, de estrutura não-linear, em que a história é narrada do ponto de vista do herói-autor, ou do ponto de vista plurifocal, a partir da perspectiva de várias personagens, surge no bojo do Impressionismo, com Henry James (Os Embaixadores – 1903); Joseph Conrad (LordJim- 1900); ítalo Svevo (A Consciência do Zeno – 1923) e Marcel Proust (Em Busca do Tempo Perdido 1913-1927).

A percepção do tempo e o fluxo da memória, a lem­brança crítica e a compreensão do sentido da experiência passada e a “procura do tempo perdido” são os motivos capitais da ficção impressionista, quase sempre ligada a um agudo senso de perda da qualidade da existência e à denúncia do estilo existencial moderno, marcado pela uniformização das ideias e atitudes e pelo desapareci­mento progressivo das formas genuínas de diálogo e comunicação.

O refinamento da prosa impressionista, as explo­rações psicológicas, o experimentalismo técnico dos nar­radores fazem com que as obras impressionistas se revistam de um caráter “hermético” (= difícil), exigindo leitores intelectualmente sofisticados. Ao contrário da vocação “democrática” do Realismo e Naturalismo, acessível ao leitor comum (Balzac, Dickens, Zola), o Impressionismo cultivou o “aristocrático prazer de desagradar” às massas mentalmente condicionadas, teleguiadas, da sociedade urbano-industrial. Sem concessões ao “gosto popular”, recusando-se a sacrificar a complexidade da visão artística e a soberania da língua literária à mentalidade dominante, os impressionistas legaram à arte moderna essa combinação única de esteticismo e oposição cultural, dentro da qual tem florescido o que há de melhor na literatura de nosso tempo. (Transcrevemos nesta parte, refundindo, José Guilherme Merquior, De Anchieta a Euclides, José Olympio, RJ, 1977, p. 151-153).

Apoiados em A. Hibbard, sintetizamos as caracterís­ticas da literatura impressionista:

  • Registro de impressões, emoções e sentimentos, despertados no artista através dos sentidos, cenas, incidentes, caracteres. Importância maior às sensações causadas que à causa propriamente dita.
  • As sensações e emoções são importantes no mo­mento em que se verificam. Relevo à “percepção visual do instante”, valorizando-se a cor, a atmosfera, o efeito dos tons.
  • Valorização dos estados de alma, das emoções, que são mais destacadas que o enredo ou a ação na narrativa; importa mais o efeito do que a estrutura.
  • Ênfase na reprodução das emoções, sentimentos e atitudes individuais: traduz-se a vida interior, “a razão cede o passo às sensações”.
  • Interpretação da natureza, “invenção” da paisa­gem mais do que descrição objetiva.
  • Valorização da memória. Tentativa de buscar o tempo perdido através da impressão provocada pela realidade num momento dado. Importância do momentâneo, do fragmentário, do instável, do móvel, do subjetivo.

Características do estilo impressionista

  • Valorização da cor, dos efeitos tonais, para repro­duzir a “percepção visual do instante”. Portanto, frequência da sinestesia.
  • Pontilhismo ou período em leque: acúmulo de detalhes, sem realce para nenhum deles. Ex.: “O luar surgiu, as pessoas passavam apressadas, um trem chega­va de longe”.
  • Hipálage e emprego de adjetivo-advérbio. Ex.: O convidado tentou uma garfada tímida. Todos voltaram felizes. “O voo branco das garças.” (Cecília Meireles).
  • Valorização do substantivo abstrato que surge de um adjetivo. Ex.: “Brancura de luz” em vez de “luz branca”; “maciez do pelo” em vez de “pelo macio”.
  • Relevo da impressão: vaguidade, imagens ilógi­cas, que aproximam realidades distantes. Ex.: “Caquinhos de luar embelezam o mármore”.
  • Parataxe: abandono das conjunções, principal­mente as subordinativas. Ex.: Não sairei. Vai chover.
  • Frequência da prosopopeia. Ex.: “A voz sonolenta das fontes”.
  • Frase nominal, expressão sintética, metáfora elíptica. Ex.: Ele olhou-me. Um monstro.
  • Aspecto permansivo (continuidade da ação): gerúndio, imperfeito do indicativo, infinitivo precedido pelo “a”, verbos intransitivos ou empregados intransitivamente. Ex.: As aves voando. Ao longe, a música prosseguia. Eram todos a gritar. Cabe-nos rir e perdoar.
  • Associação “concreto/abstrato”. Ex.: “Enfiado na poltrona da sua melancolia”. (Fernando Pessoa). “Vamos abrindo um matagal de dores”. (Cesário Verde).
  • “Linguagem expressiva, colorida, sonora, a suge­rir mais do que dizem as palavras.”

Por: Renan Bardine

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