Geografia do Brasil

Estrutura Fundiária no Brasil

É recorrente, na história do Brasil, a discussão acerca da estrutura fundiária, caracterizando-a como excludente e geradora de profundas desigualdades socioeconômicas.

O modelo agropecuário brasileiro sempre se fundamentou no latifúndio por dimensão, isto é, com produção para atender ao mercado externo (culturas de exportação), com as lavouras e criações variando conforme a demanda internacional.

Veja como ocorreu o processo de concentração de terras e o atual cenário da estrutura fundiária no Brasil.

O que é estrutura fundiária

A estrutura fundiária remete ao modo como o espaço agrário está dividido e como essas divisões estão distribuídas territorialmente.

Quando falamos de terra, estamos tratando de um tipo especial de bem econômico, cuja produção está limitada por condições que estão fora do controle humano.

Como muitos dos fatores de produção da terra estão fora do alcance humano, quanto maiores são as áreas de produção agrícola, maiores, também, são as chances de seu sucesso produtivo.

Nos países de ocupação antiga, como, por exemplo, os países europeus, as áreas rurais foram divididas sucessivamente entre os produtores em pequenas áreas para a produção familiar e o consumo local, quando as lógicas econômicas não eram claras ou não se aplicavam de maneira direta a esses locais.

Já em países de ocupação mais recente, como, por exemplo, o Brasil, a divisão rural foi realizada quando as lógicas econômicas já tinham um direcionamento para a grande produção e para a exportação, o que levou o espaço rural a ser dividido de maneira diferente e irregular, por meio do estabelecimento dos latifúndios e dos minifúndios.

Histórico da estrutura fundiária no Brasil

A origem da concentração fundiária no Brasil está associada ao passado colonial, com as capitanias hereditárias e doação de sesmarias.

Nas décadas iniciais da colonização, a Coroa portuguesa, na figura de dom João III, vislumbrou a necessidade de “patrulhar” as terras conquistadas, iniciando pelo litoral, por meio de um efetivo processo de ocupação.

Dessa maneira, foram estabelecidas as capitanias here­ditárias, quinze glebas de terra paralelas à linha equatorial, da costa ao meridiano de Tordesilhas, administradas pelos capitães-donatários, membros da pequena nobreza, comerciantes e burocratas, oriundos de Portugal.

Ao receberem as terras doadas, os capitães-donatários tomavam posse, mas não adquiriam a propriedade da terra, não podendo vender ou dividir sua capitania. Gozavam, entretanto, de poderes econômicos (arrecadação de impostos) e administrativos, entre os quais se destacavam o monopólio da justiça, a formação de milícias e a doação de sesmarias.

A doação de sesmarias era atribuição dos capitães-do­natários, o que é relevante para a compreensão da estrutura fundiária brasileira, visto que elas eram “uma extensão de terra virgem cuja propriedade era doada a um sesmeiro, com a obrigação – raramente cumprida – de cultivá-la no prazo de cinco anos e de pagar o tributo devido à Coroa. Houve em toda a colônia imensas sesmarias, de limites mal definidos, como a de Brás Cubas, que abrangia parte dos atuais municípios de Santos, Cubatão e São Bernardo”.

Lei das Terras de 1850

Em meados do século XIX, a instituição da Lei de Terras contribuiu para o processo de concentração fundiária, já bastante acentuado no Brasil.

Com a abolição do tráfico negreiro interatlântico, com a imposição da Lei Eusébio de Queiróz, aprovada em 4 de setembro de 1850, houve necessidade de buscar alternativas à substituição do trabalho escravo de origem africana.

Desse modo, surgiu a perspectiva de uma abertura mais intensa à imigração como forma de suprir a necessidade de mão de obra. Entretanto, imbuída de forte cunho elitista e, de certa forma, xenófoba, a Lei de Terras, instituída apenas duas semanas depois da Lei Eusébio de Queiróz, no dia 18 de setembro, estabeleceu que as terras públicas passassem a ser vendidas, e não mais doadas, por preços elevados, o que restringia, e muito, a possibilidade de futuros imigrantes ad­quirirem terras no país.

Sob os auspícios de regularizar a questão da posse de terras e obrigar o registro das propriedades, a Lei de Terras praticamente inviabilizou aos menos favorecidos o acesso à propriedade rural, provocando maior grau de concentração fundiária.

Estatuto da Terra de 1964

Nos primeiros anos do período militar, houve a criação do Estatuto da Terra (1964) devido ao descontentamento social rural motivado pela péssima distribuição de terras.

O objetivo era organizar o uso do solo do espaço agrário brasileiro, buscando o estabelecimento de sua distribuição de modo que este pudesse apresentar melhor produção de mercadorias agrícolas e pecuárias.

Por meio da definição do módulo rural, bem como da instituição legal do latifúndio e do minifúndio, o Estatuto da Terra buscou identificar áreas improdutivas para o estabelecimento da reforma agrária.

  • Módulo rural: Consiste em uma unidade de terra suficiente para absorver o trabalho de uma família e provê-la de uma produção agrícola que permita sua subsistência.
  • Minifúndio legal: Refere-se às propriedades rurais que têm um tamanho menor do que o de um módulo rural, ou seja, cujo tamanho não é suficiente para uma produção que permita a subsistência de uma família.
  • Latifúndio legal: São propriedades rurais com tamanho 600 vezes maior do que o tamanho de um módulo rural, ou que não tenham efetiva utilização agrícola.

Apesar de o Estatuto da Terra prever a reforma agrária em âmbito legal, ele vigorou até a década de 1980, período em que beneficiou cerca de 50 mil famílias que receberam terras devolutas ou expropriadas.

Lei agrária de 1993

A lei agrária de 1993 estabeleceu uma classificação de unidades rurais quanto ao tamanho, utilizando uma unidade de medida chamada módulo fiscal: “unidade de medida expressa em hectares, fixada para cada região, considerando vários fatores, como o tipo de exploração predominante no município e a renda obtida com a exploração predominante”.

  • Minifúndio: área inferior a um módulo fiscal;
  • Pequena propriedade: área entre um e quatro módulos fiscais;
  • Média propriedade: área superior a quatro e a até quinze módulos fiscais;
  • Grande propriedade: área superior a quinze módulos fiscais.

A atual estrutura fundiária brasileira

A concentração de terras no país avançou ao longo do tempo. Nos dias atuais, o Brasil ainda é um dos piores países nesse quesito, consubstanciado em um altíssimo Índice de Gini, superior a 0,8. Esse índice, também usado para a aferição da concentração de renda, varia de 0 a 1, na qual zero expõe uma distribuição de terras equânime entre todas as pessoas em uma região e 1 representa o oposto, uma condição na qual uma única pessoa controlaria todas as terras de uma área.

No atual cenário agrícola brasileiro, 1% das propriedades possui mais de mil hectares e ocupa 52% das terras agrícolas brasileiras. Em contrapartida, 34% das propriedades rurais possuem menos de 10 hectares e ocupam 2% das terras agrícolas brasileiras.

Assim, configura-se a concentração de terras, até hoje bastante presente em nosso território, na qual é perceptível a existência de um número relativamente pequeno de gran­des propriedades, que, entretanto, ocupam parcela signifi­cativa das terras, em contraposição ao grande número de pequenas e médias propriedades.

Estrutura fundiária brasileira.
Gráfico que ilustra a estrutura fundiária brasileira.

A concentração de terras no Brasil tem inúmeras consequências para o setor de produção primária do país. A presença dos latifúndios, por um lado, gera receitas e aquece o mercado externo e a exportação dos produtos agrícolas, no entanto, muitas vezes, não promove nem o abastecimento nem o desenvolvimento local. Por outro lado, a presença dos minifúndios permite maior diversificação da produção agrícola, além da movimentação econômica local.

Referência

  • FAUSTO, Boris. História do Brasil, 2012.

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