A vinda da família real portuguesa, em 1808, deveu-se ao complexo cenário das relações internacionais europeias.
Era a primeira vez que uma família real se deslocava para seus domínios coloniais, o que gerou desdobramentos importantes para Portugal e para o Brasil.
Antecedentes
No início do século XIX, o continente europeu era palco das guerras movidas por Napoleão Bonaparte, imperador francês. Seu maior objetivo era vencer a Inglaterra, a principal concorrente da França.
Em 1806, Napoleão assinou o decreto do Bloqueio Continental, que proibia todos os países do continente europeu de manter relações político-econômicas com a Inglaterra, a qual, depois da Revolução Industrial, tivera grande desenvolvimento econômico. Incapaz de vencer a supremacia marítima britânica, Napoleão pretendia debilitar o país economicamente.
Na França, o processo de industrialização transcorria morosamente, e a conquista do mercado europeu, até então sob domínio do capital inglês, era fundamental para os negócios do país. A nação francesa, contudo, foi incapaz de substituir a Inglaterra no abastecimento do mercado europeu, que continuou consumindo produtos ingleses por meio do contrabando ou do desrespeito sistemático ao bloqueio francês.
O governo da França foi duro com os inimigos de sua política expansionista, exercendo um cerco diplomático e militar implacável.
Fuga e exílio da família real portuguesa
O Bloqueio Continental deixou Portugal em uma situação política embaraçosa. Desde o fim da União Ibérica (1580-1640), o país se aproximara política e economicamente da Inglaterra. No plano interno, os portugueses enfrentavam dificuldades. Atingida por problemas mentais, a rainha, dona Maria I, fora afastada do poder em 1792, assumindo em seu lugar, na qualidade de regente, o príncipe herdeiro dom João, futuro dom João VI.
Se, por um lado, o Estado português era incapaz de enfrentar o poderoso exército napoleônico, por outro, não podia simplesmente romper com a Inglaterra.
Em 1807, o governo francês enviou um ultimato a Portugal: ou aderia ao Bloqueio Continental ou seu território seria invadido. A Inglaterra interveio, por meio de seu embaixador em Portugal, lorde Strangford, oferecendo salvo-conduto até o Brasil para a família real portuguesa e sua corte, além de serviçais e funcionários governamentais.
Em contrapartida, dom João se comprometeu, em um acordo secreto, a ceder temporariamente a estratégica ilha da Madeira aos ingleses, permitindo o comércio direto entre as duas nações.
Em outubro do mesmo ano, representantes de França e Espanha assinaram o Tratado de Fontainebleau, que estabelecia, entre suas principais determinações, a deposição da família real portuguesa (da dinastia de Bragança) e a invasão e divisão do território português entre espanhóis e franceses. Em 19 de novembro, o general Junot, braço direito de Napoleão, comandou as tropas que invadiram Portugal.
Nesse meio-tempo, os ingleses colocaram à disposição de dom João uma poderosa frota, que viabilizaria a vinda da corte portuguesa para o Brasil.
O embarque
Com o exército francês próximo de Lisboa, dom João embarcou às pressas para o Brasil com toda a família real e a corte, em 29 de novembro de 1807. Estima-se que havia entre 10 mil e 15 mil pessoas, com seus respectivos pertences. O saque ao Tesouro português e o embarque, realizado em ritmo de rápida fuga, conferiram uma dimensão dramática ao acontecimento. A população lisboeta assistiu a tudo, incrédula e atônita.
A travessia
Como toda longa travessia, a viagem foi difícil. Não havia espaço nos navios para acomodar tanta gente. Muitos viajaram apenas com a roupa do corpo. A água e os alimentos eram racionados. Devido à higiene precária, houve um surto de piolho nos superlotados navios, obrigando as mulheres a raspar a cabeça, entre elas a própria princesa Carlota Joaquina.
A 24 de janeiro de 1808, após quase dois meses de viagem, a esquadra aportou em Salvador, na Bahia. Posteriormente, seguiu para o Rio de Janeiro, ali chegando em 8 de março do mesmo ano.
Ela teve pelo menos duas consequências importantes para o Brasil: a ruptura do pacto colonial e a inclusão do Brasil como área de influência inglesa.
A bagagem
Além das cerca de 15 mil pessoas que acompanharam a rainha dona Maria I, o príncipe regente dom João e a sua mulher Carlota Joaquina na vinda para o Brasil, teriam partido de Lisboa dezenas de navios transportando tapeçarias, mobiliário, a biblioteca real e as máquinas da Imprensa Régia.
A biblioteca deu origem à atual Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, enquanto as máquinas da Imprensa Régia produziram os primeiros impressos brasileiros. Por isso, o ano de 1808 é considerado o primeiro grande marco da indústria editorial nacional.
A família real que entrou para a história
A família real portuguesa que veio para o Brasil era formada pela rainha dona Maria I (que, aos 73 anos, estava viúva e impossibilitada de governar, por sua doença mental), suas irmãs, Ana e Maria Benedita, e o príncipe regente dom João, que, na época, tinha 40 anos e era casado com Carlota Joaquina. Princesa espanhola, Carlota Joaquina fora levada para Portugal ainda criança, a fim de aprender a língua e os costumes do país do noivo.
A transferência do governo português para o Brasil teve forte impacto sobre a colônia, que passou a Reino Unido de Portugal e Algarves em 1815. Em 1818, o príncipe regente foi aclamado rei, com o nome de dom João VI.
Veja também:
- A corte portuguesa no Brasil
- Período Joanino
- Questão Cisplatina
- Revolução do Porto
- Descobrimento do Brasil
- Independência do Brasil