Em alguns países da Ásia, como Butão, Tailândia ou Sri Lanka, o budismo é a religião da maioria da população. Na atualidade, é a quarta religião do mundo em número de fiéis.
Localização e cronologia do budismo
O budismo começou como religião minoritária do norte da índia até que o imperador Asoka a adotou como religião pessoal no século III a.e.c.
Teve sua época de maior desenvolvimento entre os séculos I e IX e.C, em que chegou a toda a Ásia e se converteu na religião com maior número de seguidores do mundo. Os mosteiros budistas eram centros de cultura e prosperidade da índia ao Japão.
A partir do século IX, o budismo foi perseguido na China e perdeu força na índia, de onde desapareceu no século XIII. No resto da Ásia, foi se tornando mais local. No século XX, o budismo se expandiu pela Europa e pela América.
As bases do budismo
Costuma-se dizer que Buda expôs de modo sistemático a chave de suas ideias no chamado sermão de Benares, no qual se concebe a vida como dor.
O sermão de Benares
A ideia principal do sermão de Benares é a que se encontra no seguinte trecho: “Esta é a verdade sobre a dor: nascer é dor, envelhecer é dor, adoentar-se é dor, morrer é dor, juntar-se com o que não nos agrada é dor, separar-se do que amamos é dor, não conseguir o que desejamos é dor (…) A causa da dor é a sede que leva a querer voltar a viver, a buscar aquilo que nos agrada (…)
Mas para que a dor desapareça é preciso anular essa sede de existir, rechaçá-la, libertar-se dela.
O caminho para que a dor desapareça tem oito partes: opinião correta, pensamento correto, palavra correta, atividade correta, meios de vida corretos, esforço correto, atenção correta e concentração correta. Este é o nobre caminho óctuplo que extingue a dor e leva à libertação”.
O budismo parte da afirmação do caráter inescapável da dor. Considera que existem diferentes tipos de sofrimento que o ser humano encontra ao longo da vida. Há situações que produzem inquietude e dor em definitivo, sofrimento como, por exemplo, a presença de enfermidade, o medo da velhice, o medo de amar e não ser amado ou de amar e perder a pessoa amada, o medo de fracassar na vida e não alcançar objetivos, estar sujeito a algo que desagrada, ou ter um mau caráter que produz rejeição em outros, embora isso em muitas ocasiões não seja conscientemente aceito.
Daí que o budismo considera que a dor é universal, Até no prazer maior se esconde a dor, uma vez que em algum momento ele irá acabar e a dor novamente voltará. Isso é o que os budistas denominam a primeira nobre verdade.
A segunda nobre verdade expõe que a causa da dor é o desejo de voltar a viver, de buscar o que se ama. O problema, segundo Buda, é que desejamos sempre ou quase sempre com um fim egoísta e isso acaba produzindo maior sofrimento. A solução estaria na supressão da dor por meio da eliminação da sede de existir. Mas essa supressão não consiste numa renúncia completa à vida. Trata-se de uma transformação dos pontos de vista que regem o viver, por meio de compreender, atuar e meditar. Essa é a terceira nobre verdade.
A quarta nobre verdade expõe a maneira de superar esse desejo e acabar com o sofrimento. Tem oito partes e é o que os budistas denominam o “nobre caminho óctuplo”.
O sermão
Sermão pode ser definido como um discurso religioso de um sacerdote diante dos fiéis.
Entre os sermões cristãos, o mais famoso é o sermão da montanha de Jesus de Nazaré (Mateus 5,3-10), em que se transmite uma mensagem de esperança. Nesse sermão podem-se encontrar paralelismos com o de Benares no que tange à inevitabilidade do sofrimento.
Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra.
Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados.
Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados.
Bem-aventurados os que trabalham pela paz, porque serão chamados filhos de Deus.
O nobre caminho óctuplo
Segundo os budistas, por meio de oito formas distintas se pode acabar com o sofrimento.
A primeira delas é a palavra correta, que consiste em falar sem prejudicar ninguém. Isso significa não mentir, falar com amabilidade evitando a fofoca, a injúria e a calúnia.
A atividade correta consiste em atuar sem prejudicar ninguém. Também faz referência ao desenvolvimento da virtude e ao domínio das paixões.
Modo de vida correto é exercer uma profissão que não prejudique ninguém. Segundo o budismo, o primeiro a quem não se deve prejudicar é a si mesmo. As partes que têm a ver com o entender de modo correto são: opinião correta e pensamento correto, que equivalem a compreender com sabedoria. Para evitar meras suposições ou opiniões errôneas sobre algo que passou, é importante um autoexame antes de se elaborar um juízo de valor. Por isso, Buda afirmava que o autoconhecimento conduz à libertação, que se alcança por meio da meditação. Daí que se devem praticar o esforço, a atenção e a concentração como atividades mentais. O esforço se realiza na meditação, na atenção e na concentração no que se medita.
A dieta se adapta
Os budistas não podem prejudicar nenhum ser vivo, não podem matar animais. Por isso, muitos budistas são vegetarianos. Além disso, muitos monges budistas vivem de modo muito austero e não fazem mais que uma refeição ao dia, antes do meio-dia. Mas essa dieta, que era fácil de seguir na índia, com um clima quente e que produz muitos vegetais variados, não é possível em regiões com climas mais duros, por exemplo no Tibete, onde faz muito frio e se produzem poucos alimentos vegetais. Apesar de serem budistas, os tibetanos, inclusive os monges, comem carne se necessário e fazem três refeições diárias.
Por um lado, os monges budistas adotam certos usos e costumes da zona do Tibete onde se estabeleceram. Por outro, essa adaptação só ocorre quando necessária para a sobrevivência, pois, caso isso não fosse feito, ficaria comprometido o princípio do nobre caminho óctuplo, segundo o qual não se deve prejudicar a si mesmo.
Essas proibições estão também presentes em outras religiões: no hinduísmo, é proibido comer carne de vaca; no islamismo e no judaísmo, não se permite comer carne de porco. Os israelitas, inclusive, têm uma lista de alimentos proibidos.
Budismo: uma religião missionária
O budismo é uma religião universalista, o que significa que ele tem uma mensagem que serve para qualquer pessoa, sem nenhuma distinção.
Budismo: uma religião para todos
Após a morte de Buda e antes do reinado do imperador Asoka (273-231 a.e.c), a comunidade budista, apesar da expansão missionária, não deixou de ser um grupo minoritário. Era uma religião em pequena escala centrada na definição de dogmas que permanentemente se cindia em caminhos diversos e da qual se podem ter poucas certezas históricas. No entanto, essa religião nascida no norte da índia se converteria, graças a Asoka, em um dos grandes credos mundiais.
Seu caráter universalista, ao propor uma mensagem aceitável por qualquer ser humano independentemente de suas circunstâncias e origem, favoreceu sua expansão e, de fato, os budistas foram grandes missionários.
Mais adiante será feito um paralelo entre o processo que se deu na índia e que levou à expansão do budismo e o que ocorreu no mundo mediterrâneo com o cristianismo: chegaram a ser religiões com milhões de fiéis ao se converterem em religiões do poder.
Um momento muito importante na expansão do budismo se deu durante o reinado do imperador indiano Asoka. Grande conquistador, seus exércitos dominaram um território muito extenso, no qual havia muitas religiões. O budismo tinha a vantagem de servir para qualquer de seus súditos. Asoka se fez budista e não só ganhou para o budismo grande parte da índia como também enviou missionários aos reinos e territórios com os quais tinha contato, inclusive ao Ocidente.
Com o tempo, o budismo, seguindo as rotas do comércio, e em especial a rota da seda, chegou ao Afeganistão, à China e logo ao Japão: pelo sul, ao Sri Lanka, à Indonésia e à Indochina; posteriormente, pelo norte, ao Tibete. Há mil anos era a religião com maior número de fiéis em todo o mundo.
Os budas de Bamiyan
No início de março de 2001, o talibã, grupo extremista que então dominava o Afeganistão, destruiu parcialmente as estátuas gigantes de Buda em Bamiyan. A maior delas tinha quase 53 m de altura, e era um testemunho da força que o budismo teve no passado nessa região.
A expansão do budismo
O budismo, tendo chegado a povos diferentes, fez com que os missionários se adaptassem a costumes e crenças. E o que denominam “meios hábeis” na propagação da religião. Como a mensagem central budista é simples e busca principalmente o despertar, puderam, sem deixar de ser budistas, oferecer, em cada caso, o que mais fácil resultava para que fossem entendidos e aceitos.
Desse modo, as comunidades budistas foram e ainda hoje são muito diferentes, comem e vestem de modo distinto, mudam suas festas, as formas de meditar ou os rituais funerários. Até a ideia que têm de Buda varia: uns o veem como um ser humano excepcional e exemplar, ao passo que outros creem que ele é um ser sobrenatural.
Budismo e cristianismo
O budismo e o cristianismo se parecem em alguns aspectos. Por exemplo, os dois desapareceram quase completamente dos lugares em que surgiram.
Hoje em dia, nas áreas em que Jesus pregou, a população cristã é pouco numerosa. Na região de Palestina-lsrael, desde 638, data da tomada de Jerusalém pelos muçulmanos, o islã foi a religião predominante, salvo em momentos muito esporádicos como as cruzadas. Há, na atualidade, muitas igrejas de diversas denominações mas muito poucos cristãos.
Em Israel, pouco mais de 1% é formado por católicos, com pouco menos de 1% de ortodoxos e 0,2% de protestantes.
Na Palestina (Cisjordânia e Gaza), 4% são católicos e 4%, cristãos orientais. A grande maioria da população é judia ou muçulmana.
Também existe um paralelismo na expansão de ambas as religiões. Foi imprescindível para o budismo que o imperador Asoka adotasse essa religião. No cristianismo, ocorreu algo parecido com o imperador Constantino,
O cristianismo também é uma religião universalista, já que desde a pregação de são Paulo não levou em conta diferenças de classe nem status de nenhum tipo, e desejou que sua mensagem alcançasse e ajudasse a toda a humanidade, embora nos primeiros momentos do cristianismo tenha havido grupos que pensavam que não se podia ser cristão sem ser judeu. O universalismo cristão vem da abertura aos não-judeus que, seguindo são Paulo, aceitaram a grande maioria de cristãos.
Em ambos os casos, existem conexões históricas entre o poder político e a religião. Os governantes de religiões universalistas podem homogeneizar por meio deles seus súditos e criar coesão em tomo de seu poder graças à ideologia, que é um modo de controle menos custoso que o militar.
Graças ao imperador Asoka, o budismo experimentou notável expansão, alcançando a maior parte do subcontinente indiano e chegando a regiões distantes. Asoka adotou a ética budista como princípio diretor de seu reinado e promulgou numerosos editos, que eram colocados sobre pedras e colunas em diferentes línguas. Mas também defendeu o respeito mútuo e a tolerância, já que considerava que todas as religiões contribuíam para o desenvolvimento espiritual.
Constantino foi fundamental na história do cristianismo. No ano 313, promulgou o édito de Milão, que outorgava liberdade de culto a todos os cristãos do império. Naquele momento coexistiam, além da religião tradicional de Roma, outras religiões, como a veneração de Mitra e o judaísmo. Constantino disse ter tido uma visão da cruz antes da decisiva batalha que lhe outorgou o controle sobre Roma e atribuiu a vitória à intercessão de Jesus Cristo.
A partir desse momento, mandou colocar uma cruz nas insígnias de sua guarda, protegeu os bispos cristãos e se apoiou neles para manter-se no poder.
As escolas do budismo
No budismo houve muitas escolas e grupos. Na atualidade, existem três formas principais de entender o budismo, de acordo com as regiões da Ásia, continente em que vive a maioria dos seguidores dessa religião.
O budismo do sul
O budismo do sul é aquele que está difundido principalmente no Sri Lanka, em Mianmar e na Tailândia.
Os seguidores do budismo do sul dizem ter os textos sagrados mais antigos e mais próximos ao que Buda pregou. Dão uma grande importância aos monges, que vestem túnicas cor de açafrão, permanecem solteiros e têm regras de disciplina muito estritas, como não fazer mais que uma refeição ao dia, ingerida antes do meio-dia.
O ideal é o arhat, o monge que conseguiu o despertar, seguindo o exemplo de Buda, por meio da meditação e da sabedoria e que não voltará a renascer. Pensam que os que não seguem a disciplina dos mosteiros não podem alcançar a libertação nessa vida e tentarão, por seus méritos e seu bom carma, renascer como monges para poder chegar ao nirvana.
Em torno do século I a.e.c. começou a se desenvolver uma forma distinta de entender o budismo, denominada mahayana ou grande veículo para alcançar a libertação, que defende a chegada ao despertar por muitos caminhos e sem ter de ser monge. Essa via é seguida no budismo do leste e do norte.
No budismo mahayana, cada escola propõe um caminho próprio: umas insistem em que o fiel faça o esforço por alcançar a libertação e outras, em que a libertação seja concedida pelos budas.
Por exemplo, na escola da “Terra Pura”, que foi muito popular na China e no Japão, acredita-se que o buda Amitaba ou “Amida”, em chinês, pode levar seus fiéis, por meio da morte, a um lugar paradisíaco, a terra pura do oeste, caso orem a ele adequadamente. A devoção, nesse caso, é o mais importante, e não a meditação, já que é Amitaba quem salva graças à oração.
Por outro lado, na escola zen o principal é o esforço pessoal diário e constante na meditação que leva ao despertar. Cada qual se salva por seus próprios méritos, e os budas nada têm a ver com isso.
A via do macaco e a via do gato
Para explicar os diferentes caminhos seguidos pelo budismo mahayana e o budismo zen, os monges usam o exemplo de dois animais: a via do gato e a via do macaco. Quando o gato é pequeno, sua mãe o leva pela nuca com a boca; o gato não tem nada a fazer senão se deixar levar; pelo contrário, o macaco tem de se agarrar fortemente a sua mãe para poder ir com ela – é ele que tem de fazer o esforço.
O budismo do leste e o budismo do norte
O budismo do leste está presente no Japão e no leste da China e há muitas escolas diferentes. Creem que existem muitos budas e outros seres sobrenaturais, de forma que Sakyamuni, o buda histórico, seria somente um deles. O ideal é o bodhisatva, uma pessoa que pode ser monge ou não, mas que, ainda que tenha entrado no nirvana após ter alcançado o despertar, decide voltar ao mundo para ajudar os seres vivos, movido pelo amor e pela compaixão para com os demais.
O budismo do norte se desenvolveu no Tibete e se expandiu pela Mongólia e pelo oeste da China. Há muitos textos sagrados traduzidos da India ou escritos em tibetano, entre os quais o mais famoso é o Bardo Todo\, ou Livro tibetano dos mortos.
Os budistas tibetanos creem que certas pessoas com grande desenvolvimento espiritual podem voltar depois de morrer e escolher sua reencarnação. Eles são reconhecidos porque se recordam da vida passada e identificam objetos que antes foram seus. Eles são chamados tulkus e podem ser encarnações de bodhisatvas ou de budas. Alguns dos dirigentes religiosos do Tibete são tulkus, como os dalai-lamas. São a dinastia de líderes políticos e religiosos do Tibete, e seus seguidores creem que são uma encarnação de Avalokitesvara, o bodhisatva da compaixão.
Os budistas creem em deuses?
Para o budismo do sul, Buda é um ser humano exemplar, que ensinou o caminho para o despertar, mas não é um deus. Em seus textos sagrados, a questão sobre se os deuses existem ou não parece interessar pouco, porque não acrescenta nada ao verdadeiro problema que os preocupa: como alcançar o despertar. Essa atitude é muito significativa, já que não creem que haja um deus criador, nem que o universo se mantenha por sua atuação, nem que o despertar seja conseguido por sua intermediação.
No budismo do leste e do norte, contudo, se dá grande importância ao papel dos budas e bodhisatvas. São seres sobrenaturais muito numerosos aos quais se rende culto porque ajudam a alcançar o despertar e há paraísos aos quais se pode chegar por sua intercessão e, por isso, se parecem com o que, em outras religiões, seriam os deuses.
A diferença do que ocorre nas religiões ocidentais, como o cristianismo, o judaísmo ou o islamismo, para os budistas não há nenhuma entidade criadora do mundo nem necessidade de que ele exista. Dessa forma, também se elimina o problema teológico da existência de um Deus todo-poderoso que tenha criado um mundo no qual existe o mal.
Buda evitava a especulação metafísica sobre se o mundo é eterno ou não, se a alma é o mesmo que o corpo ou se um Buda existe depois da morte, considerando que em questões desse tipo “a cobiça de opiniões tende a não ser edificante”.
Nos longos sermões de Buda recolhidos no Digha Nikaya, Buda ironiza com o Grande Brahma do hinduísmo, que seria o mais próximo do Deus criador em que os cristãos creem:
“Havia um monge que se perguntava sobre como poderia transcender todos os mundos e meditava para poder contatar os deuses e transmitir-lhes sua pergunta. Nenhum dos deuses do céu inferior, nem de nenhum outro céu até chegar ao séquito de Brahma, podia ajudá–lo, mas lhe asseguraram que o grande Brahma poderia fazê-lo. Depois de um tempo o grande Brahma se tornou visível e o monge lhe formulou sua pergunta. No entanto, a única resposta que obteve foi a orgulhosa afirmação de Brahma de que era o criador. Depois de responder por três vezes dessa forma, Brahma conduziu o monge à parte e lhe disse que não podia iludir seu séquito admitindo publicamente que não sabia a resposta.”
Por: Roberto Braga Garcia